13 de março
A voz monótona do homem vestido em um terno azul marinho, prostrado na frente de um telão onde slides malfeitos estavam sendo projetados, fazia com que Pedro precisasse de toda sua força de vontade para não dormir no auditório lotado de alunos que forçosamente assistiam a uma palestra sobre um assunto que não parecia do interesse de ninguém, salvo alguns poucos entusiasmados estudantes que anotavam freneticamente cada palavra que saía da boca do palestrante menos didático de que já se havia tido notícia naquela instituição. O grande e bem iluminado anfiteatro ressoava a voz falada no microfone, fazendo uso de toda a potência de seu isolamento acústico feito de espuma cor de grafite na qual incontáveis alunos estavam recostados, sentados no chão revestido de carpete azul marinho, fingindo estar prestando atenção na atividade obrigatória à qual haviam sido arrastados por seus professores sob ameaça de reprovação, como se fossem alunos do ensino médio controlados pelo boletim que deveria ser assinado pelos responsáveis.
Ao fundo da sala, casais namoravam escondidos por detrás das confortáveis cadeiras de estofado azul, acompanhados por grupos de amigos que conversavam sobre qualquer coisa que não fosse relacionada ao assunto abordado nas letras garrafais da apresentação que lhes seria enviada por e-mail mais tarde. Enquanto o homem de meia idade vomitava indiscriminadamente seus conhecimentos, alheio à falta de interesse que tomava conta do recinto, Pedro precisou abafar a risada que quase escapou pelos seus lábios quando leu a mensagem que recebeu de Jorge.
Tu é minha mulher pra ficar me rastreando?, o amigo dissera em resposta à pergunta que Pedro enviara alguns minutos mais cedo, questionando seu paradeiro. Cansado de rolar a tela do celular por notificações sem importância no aplicativo da rede social, girou o pescoço e os ombros, espreguiçando-se discretamente. Virou a cabeça para os lados, percorrendo o olhar pelas fileiras à procura de rostos conhecidos, até, por fim, pousar o olhar na mulher ao seu lado esquerdo. Tinha esquecido que ela estava ali.
Seus olhos fixaram-se primeiro nas pernas desnudas por sob a saia cor-de-rosa que cobria metade das coxas finas e torneadas, resultado bem-vindo das horas de dedicação na academia. O busto sustentado por um decote delicado de uma blusa branca em qualquer outra mulher seria o pior pesadelo, mas não nela, não, vestia-lhe perfeitamente o corpo esguio. Por fim, levou os olhos até a altura de seu rosto apenas para se deparar com sua cabeça virada na direção oposta, o cabelo sendo posto atrás da orelha por dedos com unhas bem-feitas enquanto conversava animadamente aos sussurros com o homem sentado ao seu lado.
Contrariado, Pedro pousou a mão em sua pele nua onde a saia não cobria e delicadamente afagou-a, arrastando a palma para cima e para baixo. Helena virou a cabeça, primeiro pousando o olhar sobre a mão que a acariciava por um segundo antes de levantar seus olhos verdes arregalados e boca entreaberta em sua direção. Pedro sorriu para ela, dando dois tapinhas em seu próprio ombro, convidando-a, e sorriu satisfeito quando nos lábios dela um sorriso de contentamento brotou e seus olhos brilharam pela súbita atenção recebida. Ela se inclinou em sua direção, apoiando a cabeça no espaço entre seu ombro e pescoço, e ele circundou-a com um braço ao redor de seus ombros.
Com orgulho no olhar, encarou o homem que antes prendia a atenção da mulher, que o olhava de volta, incrédulo por ter sido tão subitamente dispensado. Vitorioso, Pedro voltou a mexer no celular, com o ego afagado por ter de volta para si a atenção de Helena, que sorria em seus braços, inundada de expectativa e esperança, arrepiada pelo contato dos dedos dele em seu braço, o cheiro de seu perfume embriagando seus sentidos.
Permaneceram assim por alguns minutos, nenhum deles prestando atenção na palestra que rolava a sua frente; Pedro mais uma vez entretido com os conteúdos vazios da tela de seu celular, Helena deleitando-se da proximidade inesperada com o homem que tomava conta de seus sonhos há tanto tempo.
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Obsidiana Fraturada
General FictionObsessão. É difícil saber de onde vem, como começa, e em um ponto da história é difícil até de lembrar qual a causa inicial. Algumas pessoas têm um magnetismo próprio, alguma coisa que marca sua alma e faz com que automaticamente se tornem cent...