28 de julho — A festa II
Patético. Era simplesmente patético. Bianca viu Laura subir a escada a passos largos e Helena a seguir, logo atrás. Pedro andava em círculos, bufando como um animal enjaulado. Tinha certeza que ele iria atrás das duas, era questão de minutos. Mais patético ainda era ela estar ali. O que diabos estava fazendo na casa de Jorge? Era irreal que ainda se submetesse a isso, e pelo quê? Por que estava se torturando dessa forma?
Deixando a sala, seguiu pelo piso grudento até chegar na cozinha, onde a música ainda berrava em seus ouvidos agressivamente. Olhou ao redor, por sobre as bancadas de mármore marfim que adornavam perfeitamente a cozinha planejada que ela tinha certeza que só era usada em ocasiões como aquela, procurando alguma coisa para comer. Doce, de preferência. Precisava de açúcar em seu sangue para que a bebida não a acertasse como uma marreta. Tudo que encontrou, porém, foram incontáveis garrafas de vodca e packs de cerveja espalhados por todos os lados. Suspirando, foi até a geladeira na tentativa de ao menos servir-se de um copo de água gelada e, talvez, surrupiar alguma coisa dali apenas por garantia.
O ar gelado que tocou seu rosto morno fez cócegas em sua pele e ela sorriu. Percorreu os olhos por entre as prateleiras bem abastecidas e estendeu a mão para alcançar uma jarra com um suco amarelado que ela pensou ser de laranja. Buscou no armário por um copo, de forma inconsciente. Estava acostumada com a arrumação da casa, quantas não foram as vezes em que esteve ali com o resto do grupo? Seus movimentos eram automáticos e ela não se permitiu parar para pensar naquilo por tempo o suficiente para perceber a completa disfuncionalidade daquele comportamento.
Era na casa de Jorge que ela estava. Jorge. Ela não deveria estar confortável, não deveria estar tão subjugada a seus hábitos a ponto de não perceber o quão absurdo era que ela continuasse a conviver com ele depois do que aconteceu na Calourada. Era... doentio. No fundo ela sabia disso. Claro que sabia. Estava tão condicionada a aceitar calada os assédios e pequenos abusos diários que apenas adotou o mesmo comportamento quando as coisas chegaram a um nível que jamais poderia ter imaginado. Engolia a seco e fingia que nada tinha acontecido quando, várias vezes por semana, era obrigada a cruzar com ele.
Onde estava Vicente? Ela conferiu o celular mais uma vez apenas para encarar a tela livre de notificações. Ele disse que logo estaria ali, mas isso havia sido há uma hora. Irritada e sentindo-se desconfortável, Bianca decidiu que encontraria a amiga para se despedir e iria embora. Não havia nada para fazer ali, verdade fosse dita. Não queria festa, não queria multidões, queria sua cama, seu travesseiro, seu choro. Achou que conseguisse fazer isso, foi ali com uma missão, mas falhou. Não conseguia se flagelar dessa forma.
Sentiu o suco doce e gelado descer por sua garganta enquanto encarava o nada e tentava manter seus pensamentos sob controle. Lágrimas insistiram em brotar no fundo de seus olhos e ela piscou rápido na tentativa de impedi-las de cair. Isso vinha se tornando uma coisa recorrente nos últimos tempos. A incapacidade de controlar suas emoções, muito mais destruídas do que seu corpo jamais poderia ser. Seu psicológico desajustado e o controle perdido. Lutava com tudo que tinha para não ser devorada pela escuridão que parecia segui-la onde quer que fosse, que invasivamente tentava abrir caminho por entre sua pele até chegar à sua alma despedaçada.
Largou o copo na pia, pouco se importando se algum bêbado desavisado o derrubaria, potencialmente causando um acidente envolvendo pedaços de vidro espalhados pelo chão. Virou as costas e saiu da cozinha, respirando fundo enquanto se dirigia em direção à escada por onde vira as duas subirem. Não chegou lá, contudo. Sem que percebesse o que estava acontecendo, e sem entender como acontecera, antes que se desse conta estava imprensada contra a parede, o corpo de Jorge tapando sua visão do mundo, e tampando-a para longe das vistas de quem quer que fosse.
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Obsidiana Fraturada
Ficção GeralObsessão. É difícil saber de onde vem, como começa, e em um ponto da história é difícil até de lembrar qual a causa inicial. Algumas pessoas têm um magnetismo próprio, alguma coisa que marca sua alma e faz com que automaticamente se tornem cent...