19 de junho
A estação fria em uma cidade tropical em nada se comparava com as ruas cobertas de neve, crianças correndo cobertas por camadas grossas de casacos e cachecóis. Nenhuma magia branca caindo em flocos do céu, tocando a pele dos desavisados e se dissolvendo em gotas geladas de água em contato com a superfície quente. Em um dia monótono de fim de outono, com apenas alguns poucos dias para o início do inverno, Helena se limitou a cobrir os braços com um fino casaco algodão antes de sair de casa.
Sentada na mesa do restaurante da faculdade, estava concentrada em atualizar a lista de compras a ser enviada para o Comitê da Atlética da faculdade. O trabalho não era exatamente função dela, mas Jorge era incapaz de realizar qualquer trabalho minimamente burocrático. A justificativa dada era que, como presidente da Atlética, sua função era jogar bem e dar uma boa cara ao time, o que significava basicamente sorrir para as meninas e encantar a todos com sua pose de galã. Ele não tinha tempo para preencher papeis ou organizar jogos. Isso teria que ficar sob a responsabilidade de outra pessoa. E essa pessoa era Helena.
Suspirando, ela se esforçava para terminar o mais rápido possível. As provas finais estavam chegando em algumas semanas e ela havia prometido para si mesma que não deixaria para estudar no último minuto, como vinha fazendo por toda sua vida acadêmica.
O burburinho ao redor não ajudava em nada sua concentração e ela estava começando a perder a batalha para a irritação que ameaçava aflorar por sua pele. Daria tudo para estar em uma sala silenciosa na biblioteca, mas Bianca insistira em ter sua companhia durante o almoço.
Levantou a cabeça e olhou ao redor, para os grupos de pessoas conversando. Rindo, sem quaisquer preocupações. Sairiam dali e iriam para suas aulas. No fim de semana, lotariam os bares e botes pela cidade, pagando seus luxos e extravagâncias com o cartão de crédito do papai. Ela, estaria em casa. Com sorte, na casa de Pedro ou em algum lugar ele resolvesse pagar.
As vantagens da elite carioca. Helena não escondia o ressentimento que sentia por toda aquela vida fácil que a ela era negada. Não era justo. Tinha certeza que se esforçava muito mais do que qualquer outra pessoa ali. Era muito mais merecedora dos privilégios oferecidos do que qualquer um dos inúteis que circulavam por aqueles corredores.
Helena não conseguia esquecer o encontro com Luís no mês anterior. Não havia mais falado com o garoto depois daquilo, e a verdade é que se sentia terrível pelo que fizera. Pelo que tentara fazer. Ficou surpresa pela atitude tomada por ele. Não esperava que sua reação. O sentimento era amargo, queimava suas entranhas. Como ele se atrevia a fazer aquilo? Simplesmente expor ao mundo seu segredo mais profundo e esperar que saísse ileso? Enquanto ela lutava todos os dias para ser exatamente o que precisava ser, ele se permitia a indulgência de ser quem queria?
Silenciosamente começou a reler suas anotações enquanto esperava por Bianca que parecia nunca voltar. Sua mente estava despedaçada, espalhada por todos os lados, sua concentração nada mais era do que um fio fragilizado a ponto de ser partido por qualquer toque descuidado. Seu corpo inteiro doía, seus músculos queimavam pelo excesso de exercício físico dos últimos dias, uma tentativa desesperada de compensar os surtos de má alimentação que pareciam a acompanhar onde quer que fosse.
Tinha engordado duzentos gramas. Era inaceitável. Distraidamente, tocou seu braço por sobre o casaco, perguntando-se se estava escondida o suficiente por debaixo da camada de pano, ou se alguém conseguia perceber. Esperava que não.
Quando sentiu uma mão pressionar seu ombro e, com um sorriso no rosto, olhou para Pedro, que, com um beijo em sua testa, sentou ao seu lado, o sentimento que acometeu seu coração era agridoce. Eles não estavam passando muito tempo juntos ultimamente; entre a faculdade e as obrigações extracurriculares, tempo tornou-se um artigo raro a ser utilizado com muito apreço. Então estava cintilante com sua presença; foi uma surpresa maravilhosa para ela que ele tivesse aparecido na hora do almoço. Haviam conversado por mensagem na noite anterior e ele disse que tentaria.
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Obsidiana Fraturada
General FictionObsessão. É difícil saber de onde vem, como começa, e em um ponto da história é difícil até de lembrar qual a causa inicial. Algumas pessoas têm um magnetismo próprio, alguma coisa que marca sua alma e faz com que automaticamente se tornem cent...