28 de julho
Não há nada mais doce do que o sabor único da ilusão. É fácil se perder em uma fina bolha de mentiras criadas por si próprio para justificar seus anseios nunca saciados. Hierarquias existem, é a ordem natural da vida. E não há nada mais cruel do que hierarquias emocionais. O quanto você se esforça para agradar alguém que jamais moveria um dedo por você? E você sabe, não sabe? Sabe que essa necessidade desesperada por se fazer presente é a busca desenfreada que qualquer olhar em sua direção. Um afago. Uma palavra que funciona como um farelo de pão alimentando pombos famintos. Ratos voadores. Esmolas em migalhas emocionais que alimentam os buracos na alma sem nunca saciar a fome.
E a fome jamais será saciada enquanto o olhar não for fixado na direção correta. Enquanto não parar de olhar para o outro e começar a se preocupar com suas próprias vontades. Próprias necessidades. Com seu próprio futuro. A mão que afaga sua cabeça, condescendente, é a mesma que bate e arranca um pedaço da sua autoestima dia após dia, a cada palavra ácida. Palavras que contaminam sua alma sem que você perceba, que trespassam suas barreiras e invadem suas certezas. E, quando menos se percebe, está envolvido na teia de vontades e maldades daquele que te controla.
Um monstro não deixa de ser um monstro só porque sorri para você.
O ar era frio demais para que qualquer conforto fosse possível. Era como se a punição começasse ali, nos corredores mal iluminados da delegacia enquanto repassava em sua cabeça as mentiras contadas e histórias inventadas, enquanto esperava Pedro ser liberado.
Sentada no banco desconfortável que fazia seu corpo inteiro doer, Bianca encarava os olhos inquietos da amiga, sentindo seus próprios arderem pelas lágrimas derramadas que agora davam lugar ao vazio. Poderia dizer tudo isso a Helena, sem dúvida era algo que ela precisava ouvir. Mas sabia, a essa altura dos acontecimentos, que em nada adiantaria.
Sabia que o desespero exalando por cada poro do corpo esguio e fragilizado da garota em nada tinha a ver com a tragédia que acometera suas vidas sem aviso prévio. Com aviso prévio. Com placas gritantes escritas em néon que profetizavam o final desastroso do pior conto de fadas já escrito.
Sabia que seria em vão.
Sabia e teve a confirmação quando viu Pedro sair da sala para a qual havia sido arrastado algum tempo antes — não saberia dizer se minutos ou horas, o tempo parecia fluido, plástico, irreal. Os olhos fundos e cansados do homem denunciavam seu medo, o terror mal escondido por detrás do castanho, avermelhado pelas lágrimas derramadas.
Agora ele chora, foi o único pensamento sádico que passou pela cabeça de Bianca enquanto assistia a cena patética que era Helena jogando os braços em volto do pescoço do homem. Os olhos de Pedro não estavam sobre a namorada chorosa, contudo.
Ele olhava para ela.
Encarava seus olhos ferinos, transbordando raiva. Nojo.
E, quando Pedro soltou Helena e caminhou em sua direção, ela quis vomitar.
— Bianca... — Sua voz não passava de um sussurro nervoso. Pedro estalava seus dedos, desordenadamente mexendo suas mãos. Em seu rosto passaram incontáveis expressões que queimavam sua pele a cada segundo. — Não sei nem o que dizer... Eu... Obrigado.
— Não se atreva — Bianca rosnou enquanto se levantava da cadeira, apontando um dedo em direção ao homem que deu um passo para trás, assustado com o rompante da normalmente tão pacífica garota. — Não se atreva a me agradecer. Você merece passar o resto da sua vida apodrecendo em uma cela imunda pelo que você fez. Não se atreva a me agradecer.
Sua voz saiu cortada, falhando a cada palavra gritada em um sussurro desesperado, recheado de dor, arrependimento e medo. Helena olhava de um para o outro sem entender o que acontecia, sem entender a dinâmica do que se desenrolada debaixo de seus olhos. Estavam todos alterados demais, como era de se esperar depois da noite que tiveram, mas não entendia o motivo de Bianca estar agindo desta forma. Não entendia pelo que Pedro a agradecia. Não entendia por que estavam se atacando.
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Obsidiana Fraturada
General FictionObsessão. É difícil saber de onde vem, como começa, e em um ponto da história é difícil até de lembrar qual a causa inicial. Algumas pessoas têm um magnetismo próprio, alguma coisa que marca sua alma e faz com que automaticamente se tornem cent...