Capítulo 19

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26 de maio

O pôr do sol por detrás das montanhas altas que formavam um dos mais reconhecidos pontos turísticos da cidade tingia o céu em um tom alaranjado acolhedor. Luís não estava prestando atenção à cena, nem imaginando poesias baseadas na vista encantadora. Não conseguia evitar de conferir o telefone a cada dois minutos, atualizando seu e-mail à espera da notícia que sabia que não viria tão cedo. Havia passado a noite enviando seu livro recém-finalizado para todas as editoras conhecidas e, apesar de saber que a resposta, caso viesse, não chegaria pelos próximos meses, continuava, insistentemente, conferindo a tela do aparelho que pouco a pouco descarregava em suas mãos.

Remexeu-se, desconfortável, na cadeira de plástico branco barato da mesa do bar que enchia seus ouvidos com o samba que tocava nas caixas de som. O riso embriagado das pessoas ao seu redor denunciava o início do fim de semana naquela noite de sexta-feira. Não estava prestando atenção em nada do que os outros dois que dividiam a mesa com ele conversavam; havia sido convencido a essa social improvisada ao fim do dia cheio, tomado por aulas e horas intermináveis de trabalho. Pedro e Jorge conversavam animadamente e Luís conseguiu absorver muito pouco de informação do que saía de suas bocas. Nada relevante, como sempre. Ao menos não para ele.

Encarou os dois por um momento, absorvendo suas feições. Pareciam exatamente iguais a quando se conheceram, dois anos antes. Os anos passados, as experiências vividas, em nada mudaram suas fisionomias e Luís duvidada que tivesse mudado qualquer coisa na forma como encaravam a vida. Tinham todos a mesma idade, mas ele sabia que sua bagagem, sua história de vida fazia com que ele encarasse com muita mais seriedade o dia-a-dia ao qual era submetido.

Eram garotos, não podiam ser chamados de homens, não tinham a maturidade nem seriedade para tal. Riu consigo mesmo quando lembrou da conversa que tivera com Laura alguns dias antes, durante o almoço. A feição inconformada da garota enquanto, eloquentemente, discursava sobre a irresponsabilidade que era disseminar a ideia de que homens têm o direito de se comportarem de forma imatura sob a justificativa de que era assim que as coisas eram. Ele concordava, em partes. Não podia negar que se favorecia, e muito, com isso também. Permitia-se o luxo de ser visto como um garoto irresponsável quando estava com os amigos. Era curioso como isso havia mudado nos últimos meses.

Era como se o processo de descobrimento sobre si mesmo tivesse deixado de ser um esforço constante e tivesse se embrenhado em sua vida de forma involuntária, como um Simbionte, a massa alienígena dominando seus pensamentos e o levando a rumos impensados. Não reclamava da mudança, contudo. Por mais cansativo que fosse, fez com que entendesse muita coisa sobre si mesmo. E era por isso que, ali, sentado com um copo na mão, pela primeira vez sentia-se desconfortável ao redor dos dois.

A irresponsabilidade juvenil que sempre permitira a si mesmo não passava de uma fachada, grossa e mal construída, que pôs ao redor de si mesmo para evitar que confrontar-se. Olhou para Jorge, que descaradamente evitada olhar em sua direção. Desde o dia, no fim de abril, quando, em um ato impulsivo, gritou ao mundo a verdade sobre si, Jorge não o olhara nos olhos. Estavam juntos, como grupo, mas a amizade que achava existir ali parecia ter se esvaído tão rápido quanto as pétalas de um dente de leão em um dia de ventania.

Checou o celular mais uma vez. Dessa vez porque sentiu o aparelho vibrar em seu bolso com uma mensagem de Vicente avisando que não conseguiria chegar. Ele fora evasivo durante todo o dia, cobrindo-se de justificativas, permanecendo no laboratório desnecessariamente depois de Luís ter saído. Era como se não quisesse encontrar com os outros. Talvez fosse esse o caso. Há algumas semanas, Luís teria pensado que era dele que Vicente tentava fugir, mas a verdade é que, quanto mais honesto era consigo mesmo, mais percebia que sua relação com o outro estava deturpada por nada além de sua própria incapacidade de organizar os pensamentos, e sentimentos.

Obsidiana FraturadaOnde histórias criam vida. Descubra agora