26 de abril
E diziam que mulheres se atrasavam. Laura estava esparramada no sofá desconfortável da sala do Diretório Acadêmico há vinte e cinco minutos e nada do Luís aparecer. Ele dissera que estava indo para a secretaria entregar a documentação pendente para justificar suas faltas na última semana e renovar o pedido de bolsa para o semestre seguinte, e simplesmente desaparecera. Era sabido que a burocracia na instituição ultrapassava os limites aceitáveis, mas ainda assim, era tempo demais. Ela já estava ficando cansada de esperar e, pior, com fome. Seu humor começaria a ser afetado logo, logo. Ela poderia esperar durante uma semana inteira, dia e noite, mas precisava de comida. Decidiu revirar a mochila atrás de uma barrinha de cereais perdida em algum dos bolsos, mas foi em vão. Com um grunhido de frustração e uma promessa mental de que assassinaria Luís quando ele cruzasse a porta, jogou-se novamente no sofá, fones nos ouvidos, e deu play no vídeo que estava assistindo.
Deitada como estava, seu pescoço começava a doer, apoiado no braço do sofá que definitivamente não fora feito para isso. O zumbido do ar condicionado não se sobressaía pelo som alto do fone, mas sua existência era percebida pela corrente de ar frio que arrepiava os pelos dos braços descobertos da menina. Estava a ponto de levantar e diminuir a temperatura quando a porta se abriu. Para sua infelicidade, não era Luís. Era Helena, óculos escuros cobrindo grande parte do rosto fino, cabelo perfeitamente preso em um rabo-de-cavalo. Era a primeira vez que Laura via a garota usar calças, e suas pernas pareciam finas demais. Laura sorriu consigo mesma por perceber que mesmo que os olhos claros estivessem escondidos por detrás das lentes escuras, o revirar de olhos de Helena era audível.
— Você precisa mesmo estar em todo lugar? — perguntou, jogando a bolsa que carregava em uma cadeira enquanto caminhava até o galão de água e servia a si mesma um copo. Apoiou-se na bancada e pegou o celular no bolso traseiro da calça, destravando a tela.
— Essa cidade não é pequena demais para nós duas, Helena — Laura respondeu, em uma voz forçadamente grossa no que ela imaginava ser o tom perfeito de um mercenário bigodudo usando um chapéu de caubói, torcendo para que outra entendesse a referência e isso quebrasse a tensão que sequer tinha motivo para existir.
— Discordo — Helena respondeu, sem tirar os olhos da tela. Laura balançou a cabeça. Ali jaziam mortos todos os filmes de faroeste já produzidos, claramente ignorados por Helena. Realmente imaginou que ela seria do tipo que assiste única e exclusivamente comédias românticas malfeitas, mas ainda tinha esperanças. Ignorou o comentário e voltou a assistir o vídeo que estava sendo exibido na tela de seu celular. Entreteve-se com o conteúdo por meio minuto, até ser novamente interrompida.
— O que você está fazendo aqui, afinal? — Helena perguntou, empurrando para fora do sofá o pé da outra de modo que pudesse sentar naquele canto. Laura limitou-se a revirar os olhos e arrumar-se novamente na posição anterior, apoiando as pernas no colo de Helena, que se sentiu desconfortável com o ato, mas seu ego não permitiu que ela reclamasse de algo.
— Estou esperando o Luís. — Laura limitou-se a responder, àquela altura já esgotada demais para fazer qualquer tentativa de ser simpática com a mulher que insistia em hostilizá-la sem motivo nenhum.
***
Ele não tinha certeza do motivo pelo que saíra da festa com aquele homem que mal conhecia, de quem certamente não era amigo. Talvez esse tenha sido o motivo. Luís se preocupara tanto em agradar aquele pequeno grupo no qual se infiltrou logo nas primeiras semanas de aula que parou de pensar no que era melhor para si. Apenas seguiu o ritmo estabelecido por Pedro e Jorge e reprimiu a si mesmo e, naquele ponto de sua vida, sequer sabia quem era ou o queria. Foi por isso, então. Por isso fora embora com Flávio, a quem conhecia apenas de vista nos corredores da faculdade e com quem mal havia trocado duas palavras até aquele dia. Encarava agora a tela do celular com uma mensagem recém recebida do rapaz convidando-o para sair novamente.
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Obsidiana Fraturada
General FictionObsessão. É difícil saber de onde vem, como começa, e em um ponto da história é difícil até de lembrar qual a causa inicial. Algumas pessoas têm um magnetismo próprio, alguma coisa que marca sua alma e faz com que automaticamente se tornem cent...