Capítulo 9

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31 de março — A Calourada

A brisa fresca era bem-vinda após o dia especialmente quente naquela sexta-feira de fim de verão. Tinha que dar o braço a torcer, como organizadora de eventos Helena era impecável. A pequena faixa de areia que havia sido cercada com fitas coloridas, delimitando a área onde a festa aconteceria, estava decorada de acordo com o tema, mas sem muitas firulas. As pessoas começavam a chegar, a maioria vinda direto depois da aula, o que arruinou parcialmente a tentativa de festa temática. A verdade é que a maior parte das fantasias se resumiriam a shorts de tactel com estampas duvidosas, que era exatamente o que Luís estava vestindo naquele momento.

Com um copo na mão, encarava ao horizonte o sol se pondo por entre as montanhas, tingindo o céu em tons alaranjados enquanto se dirigia para tocar o mar. Fazia-o lembrar fogo em uma noite de festa junina, as chamas crepitando silenciosamente, sendo interrompidas por um estalar eventual. A diferença é que o pôr do sol era completamente silencioso, como um grito mudo se apagando lentamente ao mergulhar nas águas salgadas que se estendiam pelo horizonte desconhecido, Apolo encerrando seu turno de trabalho e se dirigindo ao Olimpo para se juntar aos seus.

Deixando seu olhar vagar, viu rostos conhecidos se destacarem no meio da pequena multidão que já se formava, um grupo de pessoas diversas em uma interação possível apenas pelo poder do álcool. Seus olhos encontraram e se perderam em Vicente por um minuto inteiro enquanto ele dançava animadamente com Bianca, e sua mente o condenou por gastar suas referências à mitologia grega citando o Deus do Sol. Ícaro era muito mais apropriado àquele momento.

Luís se esforçava para voar em altura segura, sem que o sol pudesse derretê-lo, sem que o mar pudesse afogá-lo. Vicente era o sol, corpo celeste com gravidade própria, atraindo-o para si sem que esforço fosse feito para isso, apenas por existir. Calor emanava de seus poros, sua luz inundava o ambiente e o entorpecia com a proximidade. Bonito e brilhante, fatal se chegar muito perto. A distância segura era difícil de mensurar quando do outro lado o mar negro de águas turbulentas chamava seu nome de forma sedutora, convidando-o para águas agitadas e traiçoeiras nas quais afundaria sem chance de retorno à superfície, preso na densa corrente de sal que o puxaria para baixo como um redemoinho feito de morte. Suas asas seriam derretidas ou afogadas e, naquele momento, ele desejava que as asas não existissem.

A areia fina grudava em seus pés descalços, úmidos pela caminhada na beira da água fria. Música tocava, embalando a festa a cada minuto mais cheia. Barraquinhas foram montadas para vender comida e bebida de procedência duvidosa, as meninas circulavam de biquíni, aproveitando os últimos minutos de luz solar naquele dia abafado. Ele observava de forma apreciativa o desfile informal que se desenrolava, os movimentos em câmera lenta, sorrisos e toques, cabelos sendo jogados de modo flertivo, e suspirou, tomando um longo gole da latinha de cerveja que carregava nas mãos. Caminhou despretensiosamente de um lado pelo outro na beira da areia, de modo a molhar seus pés nas ondas calmas que ali quebravam.

— Posso caminhar com você? — Laura, aparecendo do inferno, brotando ao seu lado como uma alma penada, perguntou. Ela o olhou rapidamente de cima a baixo, abrindo um sorriso quando mirou em seus shorts e ele não pôde evitar de sorrir de volta. Sim, era horrível, ele sabia.

— Claro — ele respondeu, simplesmente porque não sabia o que mais dizer. Não queria ser rude sem motivo. — Gostei do cabelo. — Apontou porque, bom, tinha mesmo gostado da trança complicada que a garota levava na cabeça.

Em seu rosto, linhas feitas de tinta colorida desenhavam um padrão irregular e sem sentido, dando um tom de divertimento à sua feição já tão agradável. Ela vestia um biquíni azul e um short jeans escuro.

— Ah! Obrigada — ela agradeceu com um sorriso que alcançava seus olhos.

Caminharam em silêncio por alguns minutos, Luís estava curioso para saber o que raios ela queria com ele, mas não se atrevia a perguntar. Admirava a garota, sua energia, sua leveza. A verdade é que queria ser seu amigo, o que só o fazia ficar ainda mais nervoso ao redor dela. Ele fez comentários vazios sobre sua roupa e seu cabelo, sobre a lua e sobre o tempo. Estava ficando sem assuntos sobre o que falar quando ela o chamou para dançar.

Obsidiana FraturadaOnde histórias criam vida. Descubra agora