Capítulo 14

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15 de abril

As paredes do quarto eram pintadas em ocre, em sua maioria. As paredes menores, irregulares, eram cobertas por tinta branca de textura chapiscada. O chão de azulejo creme combinava perfeitamente com o teto forrado em lambri envernizado. Era pequeno, mas aconchegante e bem organizado. Sentada na cama, com as costas apoiadas nos travesseiros cobertos pela fronha fina, pernas esticadas sobre o colchão macio, ela mexia nos dedos distraidamente. Bianca havia estalado cada um mais vezes do que achava ser possível, mas continuava tentando, forçando sua mente a ficar ali, concentrada naquela tarefa sem importância, evitando a todo custo transportar-se de volta para o terreno sombrio do qual estava tentando fugir.

Falhava miseravelmente a cada dia e sentia um pedaço seu morrer a vez que o controle, mais uma vez, fugia das suas mãos.

— Nós andamos de mãos dadas pelo campus ontem — Helena comemorou como uma adolescente que acabara de dar seu primeiro beijo. — Ele nunca fez isso com nenhuma daquelas vadias que ele pegava antes — celebrou, orgulhosa de si mesma enquanto percorria os dedos pelas roupas perfeitamente arrumadas nos cabides do armário da amiga. Tentava decidir que qual, dentre as que estavam nos cabides perfeitamente arrumados na sua frente, era apresentável o suficiente para ser vestida, uma tarefa árdua para ela, que detestava a escolha de vestimenta da amiga.

Uma onda de tontura foi o primeiro sinal de que alguma coisa estava errada. Sentia-se sonolenta, o que não fazia sentido já que mal passava das nove da noite. O ambiente da festa estava animado e ela estava entretida na conversa com o grupo do laboratório, então o que era aquele súbito cansaço que a atingiu? Seu corpo relaxou, mais do que gostaria e ela teve dificuldade de se manter de pé por conta própria. Como se percebesse que a garota não estava em sua melhor forma, Jorge segurou-a pela cintura, sustentando-a de pé. "Você está bem?", ele perguntara enquanto a segurava contra seu corpo e Bianca sentiu seu pé escorregar de leve na areia.

— É incrível como as coisas mudaram desde a festa. É claro, eu sabia que isso ia acontecer. Te disse que a Calourada ia ser o bote final, que ia ser o dia em que ele finalmente ia perceber que é comigo que ele deve ficar. E olha que eu nem estava falando com aquele garoto para fazer ciúmes, mas funcionou mesmo assim! — Helena repetiu a mesma coisa pelo que pareceu a centésima vez só naquela semana e, desistindo de encontrar alguma coisa utilizável no guarda-roupa, sentou-se na beira da cama. Ela arrumou a toalha em sua cabeça e começou a lixar a unha já perfeitamente bem-feita.

Bianca fechou as mãos em punho e permitiu que as suas unhas furassem a carne da sua palma na tentativa de que a dor física calasse a dor em sua alma e a fizesse ficar ali, com Helena e suas baboseiras no "dia de princesa" que a amiga decidiu que as duas deveriam ter. Aquilo consistiu em basicamente fazerem as unhas e sobrancelhas e encharcarem os cabelos com óleo de coco enquanto conversavam, mais uma vez, sobre Pedro. Bianca nunca quis tanto forçar sua mente a prestar atenção nas frivolidades de Helena, mas estava perdendo a batalha de tempos em tempos, sendo transportada de volta ao seu pesadelo vívido.

"Não estou me sentindo bem", ela disse, sentindo o olhar de preocupação de todos sobre si. "Deve ter bebido um pouco demais", Jorge disse, rindo e arrancando risadas despreocupadas dos amigos. "Vamos, vou te arrumar alguma coisa para comer e te colocar sentada em algum lugar", ele disse, cuidadoso, sendo apreciado pelos outros na roda pela paciência que demonstrava com a amiga descontrolada que parecia ter bebido demais. Ele a segurou pela cintura e ajudou-a a caminhar, cambaleante, sentindo seu corpo fraco e seus movimentos lentos. "Para onde está me levando?", ela perguntou quando notou que estavam caminhando pelo estacionamento. Ouviu o barulho do alarme sendo desligado e da porta do carro se abrindo e sentiu Jorge a acomodando sentada no espaçoso banco traseiro de seu Corolla. Ele entrou e sentou ao seu lado, fechando a porta.

Obsidiana FraturadaOnde histórias criam vida. Descubra agora