A título de apresentação

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Não sou mulher de roncar papo, mas conheço muito mais histórias do Pedro Malasartes do que a maioria das pessoas — afirmava minha bisavó, certa de saber fatos desde a infância dele e de suas peripécias de adulto, acontecidas aqui na terra, no céu e no inferno. Assegurava que, a não ser ela, ninguem sabia nada a respeito da mãe do Pedro Malasartes, de quem ele herdou suas manhas, artimanhas, enganos, seduções, astúcias e malandragens.
Com vaidade feminina, garantia ter conhecido o Pedro Malasartes e sustentava que ele sempre fora muito apaixonado por ela. Só não chegaram a casar porque um dia, num baile na Serra do Tombo dos Mancos, quando ela dançava com o Pedro, grande "pé de valsa", apareceu meu bisavô, montando num cavalo branco. E o homem era tão galante, com um cravo fincado na lapela de seu paletó branco, que minha bisavó logo se enamorou perdidamente dele. Deixou de bailar com o Pedro Malasartes, saiu valsando com o meu bisavô e todos do salão pararam de dançar para admirá-los.
Nem bem havia terminado o baile, meu bisavô lançou um olhar de desafio aos homens presentes e, sob os olhos baixos e chorosos do Pedro Malasartes, montou minha bisavó em seu cavalo branco, com arreios de prata, e foi direto pedir-lhe a mão em casamento.
É besteira eu contar o resto. Agora todo mundo sabe que, com meu bisavô, o Pedro Malasartes não obteve vantagem. De nada valeu sua astúcia, esperteza, tino ou qualquer outro nome que se queira dar à coisa. Perdeu minha linda bisavó para o valentão do meu bisavô. Eles casaram e foram felizes, enquanto o Malasartes, despeitado, continou errante pelo mundo, sem jamais ter casado, porque nunca deixou de amar a bela da minha bisa.
Então eu lhe perguntava o que teria acontecido se meu bisavô não tivesse aparecido em sua vida. Nesse ponto a velha, toda prosa, ajeitava o cabelo, alisava as maçãs do rosto com as pontas dos dedos e afirmava:
— Talvez eu tivesse casado com o Pedro Malasartes e posto o ladino na linha, porque ao meu lado ninguém anda torto. — E acrescentava, com uns ares que até hoje não sei interpretar direito: — O destino quis assim, senão não haveria as histórias do Pedro Malasartes para contar.
O menino que fui, sempre acreditou na velha, carinhosamente chamada de "bisa" até hoje. Só quando adulto entendi que ela contava aquilo para encantar-me, para eu admirar a figura de meu bisavô, que não tive a oportunidade de conhecer.
Na verdade, Pedro malasartes é uma personagem do folclore de muitos países. Mas, quando menino, eu não sabia disso. Acreditava tanto que minha bisa o conhecera e tivera um romance com ele, que, para confirmar minha imaginação, eu perguntava se ela era bonita mesmo. Então a velha se abanava com o leque, reajeitava os cabelos e garantia:
— Nenhuma moça era mais bonita do que eu.
E ainda suspirava com ares de saudade da moça que fora.
Honestamente falando, adianto ser isso tudo prosa, que, em seu tempo certo, deverá ser esclarecida.

Aventuras de Pedro MalasartesOnde histórias criam vida. Descubra agora