Era o último dia do ano. Pedro, assim, como todo o mundo, queria festejar a passagem comendo, cantando e dançando. Mas não tinha um centavo para matar a fome e também não fora convidado por ninguém para cantar e dançar, coisas que mais gostava de fazer.
Ao anoitecer, foi até um bar próximo do cemitério para ver se fazia amizade com alguém e ter com quem confraternizar. Quem sabe alguém até o convidasse para festejar o ano-novo.
No bar avistou uma roda de homens jogando baralho. Tentou entrar no jogo, mas não deixaram, porque ele não tinha dinheiro para apostar. Puxou uma moda em sua viola, mas ninguém quis cantar. Mesmo assim, como não tinha aonde ir, sentou-se numa cadeira e ficou por ali, tomando sol e, inevitavelmente, ouvindo conversa. Dessa forma, soube que aqueles homens faziam parte de uma quadrilha de ladrões foragidos da polícia.
Depois de várias rodadas de jogo e de muita bebida, os homens começaram a falar de suas façanhas e roubos e contar vantagens. Cada um se dizia mais homem do que o outro. Assim, seguia o misto de conversa e discussão quando, quase chegando a meia-noite, um lançou o desafio:
— Todo mundo é muito macho, mas ponho aqui na mesa cem moedas para um de vocês, que se diz valentão, ir ao cemitério e buscar um osso de defunto.
Outro roucou papo, dizendo não ter medo de alma penada. Não aceitava o desafio por respeito aos mortos, mas também casava cem moedas no monte para quem quisesse ir.
— Ponho ainda mais cem para o cara ir, trazer osso, colocá-lo aqui na mesa e levar todo o dinheiro — bradou um fortão.
— Também dou mais cem — urros um de tatuagem no braço.
Assim foi até que um deles se levantou, batendo no peito:
— Deixem comigo! Que só tenho medo é dos vivos.
Ao ouvir isso, Pedro saiu "de fininho", enquanto o homem ficou tomando mais uns goles para criar coragem. O Malasartes passou num varal do quintal mais próximo, pegou um lençol branco, meteu-o embaixo do braço e foi esconder-se atrás do ossário do cemitério.
O valentão chegou cheio de dedos e medos, pedindo:
— Ô defuntinhos! Deixe-me levar só um ossinho, que depois trago um monte de velas para vocês. Deixem, está bem?
Bem escondido, o Pedro, já coberto com o lençol, parecendo um fantasma, não disse nada. Esperou o valentão pegar um osso e saltou-lhe em cima, berrando com voz cavernosa:
— Devolva meu osso!
O homem saiu em disparada rumo ao bar e o Pedro, vestido de fantasma, corria atrás dele. Os demais homens, quando viram aquilo, voaram como puderam dentro da noite escura, deixando todo o dinheiro das apostas sobre a mesa.
Dessa forma o Pedro arrumou dinheiro para comemorar sua melhor passagem de ano. Ainda, no primeiro dia útil do ano, antes de deixar a cidade, foi até uma loja, comprou um jogo novinho de lençóis e mandou entregá-lo, com seus agradecimentos, à mulher de quem havia roubado o lençol velho do varal.
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Aventuras de Pedro Malasartes
AventuraHá séculos, Pedro Malasartes vive enfeitiçando as pessoas através de suas histórias, em muitos países do mundo. Sua lenda cresce toda vez que se atribui a ele o caso de algum astuto, que conhecemos. Este livro é feito dessas histórias que a maioria...