O pássaro sob o chapéu

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Não sei por que eu vivia pedindo que minha bisa contasse esta história. Acho que era para vê-la fazer charme.
— Já disse que não gosto de contá-la.
— Por quê, bisinha? — Chamava-a assim porque era o jeito de convencê-la.
— Porque é uma história escatológica.
— Que é escatológica? — Eu sempre esquecia.
— Coisa nojenta. Não fica bem eu, uma mulher, na minha idade, contar a um menino.
— A senhora é tão moça, bisinha!
Com esse galanteio, ela passava as mãos nas têmporas, arrumando os cabelos, e começava a contar do dia em que o Pedro Malabares estava num estradão mais longo do que a eternidade quando sentiu tremenda dor de barriga. Pensou em correr para a mata à direita é viu que não dava tempo. À esquerda era a mesma coisa. Por isso, arriou a calça e fez ali mesmo.
Nem bem havia terminado, apontou um cavaleiro na reta da estrada.
Pedro ficou desesperado e sem saber o que fazer. Mal deu tempo de limpar-se e vestir a calça quando o cavaleiro se aproximou.
Para disfarçar o feito, o Malasartes cobriu o monte com o próprio chapéu.
O homem, do alto do cavalo, numa arrogância de detonar pedras,  quis saber:
— O que você está ocultando aí embaixo do chapéu, caipira?
— Nada não.
— É melhor falar, porque senão lhe assento o relho! — ameaçou o homem.
— Acabei de pegar o pássaro mais lindo do mundo e ele canta que é uma beleza. É bonito que só ele mesmo.
— Esse pássaro é meu.
— Passarinho solto não tem dono, meu senhor.
— Está bem! Tome estas moedas por ele é deixe de conversa mole — disse o homem, lançando umas moedas arrancadas da algibeira.
— Ah, mas sem gaiola o senhor não vai conseguir levar este passarinho — respondeu o Pedro, recolhendo as moedas lançadas.
— Pois, então, pegue este cavalo, vá até a venda mais próxima e me traga, rapidamente, uma gaiola, enquanto tomo conta dele.
O Pedro montou no cavalo e partiu. O homem ficou tomando conta do suposto pássaro. Quando se cansou de esperar o Malasartes, conclui:
— Vou levantar o chapéu bem devagarzinho, passo a mão bem depressa e pego esse pássaro de uma vez.
Assim fez, assim lambuzou toda a mão. Ficou com nojo e limpou-se na calça. Uma mutuca mordeu-lhe a testa, ele foi matá-la e sujou o rosto.

Aventuras de Pedro MalasartesOnde histórias criam vida. Descubra agora