O famoso contrato

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— Puxa vida, bisa! A mãe dele sempre foi assim?
— Assim como?
— Má. Não gostava dos filhos?
— Claro que gostava. Onde já se viu mãe não gostar de filho, menino de Deus? Isso não existe. Com minha idade, nunca vi uma progenitora que não desse a vida por sua cria. Até uma cadela adora seus filhotes.
— Nem carne ela dava aos meninos - eu protestava.
— Não fique aí concluindo coisas, menino de Deus! Era só o jeito de ser da mulher. A favor dela, estou até me lembrando de uma passagem em que suas lágrimas de preocupação de mãe apagaram o fogo de seu cachimbo.
— E como foi isso, bisa? — Minha curiosidade era maior do que a afirmação de meu ponto de vista. Diante da possibilidade de ouvir uma história, nunca perdia o meu tempo teimando.
Então ela dizia que o Pedro mal havia saído da calça curta, nem sonhava que sua sorte seria andar pelo mundo, aventurando-se aqui, ali ou onde suas pernas alcançassem e aonde seu destino o levasse, quando viu a situação da família piorar ainda mais. Seu pai, além de velho, caiu doente, e seu irmão, João, passou a cuidar sozinho do sustento da casa.
Como já passassem necessidade e na região não se encontrasse serviço, seu irmão - mesmo com a mãe chorando rios pelos olhos e o pai tentando impedi-lo - dispôs-se a ir trabalhar para um perverso e egoísta fazendeiro, homem de gosto sádico e possuidor de uma envidraçada galeria, onde exibia tiras de couro das costas de seus empregados como se fossem trófeus.
Na fazenda desse homem endiabrado, o coitado do rapaz assinou o famoso contrato que previa que o empregado não poderia recusar-se a fazer nenhum trabalho, fosse ele qual fosse, senão perdia todo o salário dos dias trabalhados. A segunda condição rezava que nem o patrão nem o empregado podiam ficar aborrecidos um com o outro. Aquele que se zangasse dava direito ao outro de tirar-lhe uma tira de couro das costas. O terceiro parágrafo dizia que, se cumpridas as duas condições anteriores e o empregado não tivesse pedido a conta durante sessenta dias, receberia seu primeiro salário mensal. O último termo garantia a indenização de dez salários a ser paga pelo patrão se o empregado fosse despedido.

Aventuras de Pedro MalasartesOnde histórias criam vida. Descubra agora