Para ficar bonito

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A outra história da infância de Pedro Malasartes e da mãe dele deixava-me mais indignado ainda. Se não fosse contada por minha bisa, eu nem acreditava. Sempre me pareceu mentira uma mãe poder enganar o filho, como a dele fazia.
Dizia ela, afirmando ter ouvido palavra por palavra da própria boca do Pedro que, uma vez na vida e outra na morte, quando a mãe dele tinha um dinheirinho sobrando, carnívora como era, corria a comprar um pedaço de carne. Mas como o dinheiro sempre era pouco, só comprava carne ruim. Por isso cozinhava a carne até acabar a lenha catada. Mesmo bastante cozida, a carne era sempre tão ruim, que a maioria dos pedaços não amolecia de jeito nenhum.
Então, ela separava os pedaços mais macios para si e deixava os cheios de nervos para os meninos comerem.
Quando Pedro e seu irmão, João, reclamavam da dureza da carne, a velha ralhava:
— Está dura porque vocês não sabem comer carne! Do boi a gente não perde nada. Basta ir atrás da porta e comer lá, esticando a carne no dente e pedindo para ficar bonito.
Crédulos, lá iam os meninos para trás da porta, esticando a carne entre as mãos e os dentes e dizendo:
— Quero ficar bonito! Quero ficar bonito! Quero ficar bonito...
Enquanto isso, a safada da mulher comia à mesa a porção mais macia que havia separado da carne.
A bisa lembrava ainda que, quando o Pedro protestou, dizendo que aquilo não adiantava nada, a velha ponderou:
— Você tem razão, meu filho. Só agora me lembro que isso de boniteza é coisa de menina. Homem não tem mesmo de ser bonito. Homem tem que ser macho.
E lá ia o Pedro e seu irmão, João, para atrás da porta a fim de esticar a carne e pedir:
— Quero ser macho! Quero ser macho! Quero ser macho...

Aventuras de Pedro MalasartesOnde histórias criam vida. Descubra agora