A panela que cozia sem fogo

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Lembro-me de que eu ria sempre ao final dessa história da Árvore que dava dinheiro, pois gostava muito de ver o vendeiro punido por sua exagerada ambição. Mas a bisa logo ponderava que, embora nenhum espertalhão tivesse passado a perna no Pedro Malasartes — pois todos os que se atreveram se deram mal —, ele andava meio desiludido com o mundo, tão cheio de vigaristas, trapaceiros, golpistas e desonestos. Desgostava-se de ver homem enganando homem, esposa traindo marido, rico ludibriando pobre e até burro querendo levar vantagem. Esses pensamentos de descrença no mundo fustigavam-lhe a mente quando, num estradão sem-fim, ele parou para preparar o almaço. Pegou uns gravetos no mato, ajuntou-os entre duas pedras e fez fogo. Pegou uma panela, encheu-a de água e a pôs para ferver.
Quando a água estava no ponto, avistou um homem a cavalo aproximando-se. Na esperança de tratar-se de algum sujeito sério e honesto, resolveu testá-lo. Rapidamente, cavou um buraco na terra e enterrou todas as brasas e tições.
O homem parou para conversar um pouco, mas, ao ver a água fervendo sem fogo embaixo, logo esticou o olho e quis saber o milagre.
Pedro explicou tratar-se de uma panela mágica comprada no Oriente.
— De tão longe assim?! — admirou-se.
— Claro! Panela igual a esta só existe por aquelas bandas do mundo. Mesmo lá, é muito difícil encontrar alguém disposto a vender uma. São bem raras. Quando se encontra alguma, querem furar os olhos da gente.
— Pois eu gostaria muito de comprar uma dessas para presentear a minha mulher. Mas, infelizmente, não tenho dinheiro aqui comigo e ainda moro longe.
— Sua esposa iria gostar muito. Mulher gosta de novidade. — O Pedro dava corda para o homem enforcar-se em sua pretensa esperteza.
— Quer fazer uma troca?
— Não vendo nem troco esta panela por nada deste mundo.
— Dou-lhe o meu cavalo.
— É pouco.
— Mais tudo que tenho na algibeira.
— Melhorou um bocadinho.
— Então, vamos fechar negócio!
O Pedro olhou o cavalo de soslaio e constatou que, embora se tratasse de um animal velho e sem dente, ainda serviria para levá-lo uns bons quilômetros à frente. Por pouco que fosse o dinheiro que o homem possuísse, era muito para Malasartes, que não tinha nenhum. Por isso declarou:
— Se o senhor tem tanto gosto em agradar à sua mulher levando essa panela, então eu troco.
O homem pulou de alegria. Fecharam acordo e o Pedro partiu.
Feliz da vida por julgar ter feito o melhor negócio do mundo, o homem jogou fora a água quente, meteu a panela dentro de um saco e foi embora a pé. Não seguiu para sua casa, como havia dito. Apressado, foi procurar o vendeiro ambicioso da história da Árvore que dava dinheiro.
Todo prosa, chegou à venda para oferecer a panela ao vendeiro. Os olhos deste brilharam de cobiça. O outro foi demonstrar como a panela cozia sem fogo e nesse momento se deu conta de que fora iludido.
Quando os dois perceberam terem sido enganados pelo mesmo homem, ninguém menos que o próprio Pedro Malasartes, beberam uma garrafa de pinga e cada um chorou no ombro do companheiro de infortúnio.

Aventuras de Pedro MalasartesOnde histórias criam vida. Descubra agora