Capítulo 24 - No fundo do poço

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A noite chega depressa e com ela o frio violento, agora acompanhado de uma pequena chuva que logo se transforma numa enxurrada. Quando olho para o relógio e constato que faltam poucos minutos para a meia-noite, comprovo que será impossível dormir enquanto a lembrança daquela garota não sair da minha cabeça. Assim, revolvo descer e tomar aquele famoso copo de leite morno, que se não me fizer dormir, pelo menos vai me acalmar.

Enquanto derramo leite morno goela abaixo, vagueio com a mente nos mais longínquos lugares do meu passado, revendo todas as atitudes, tudo em que me envolvi e, principalmente, quero gerenciar meus fracassos. Olho em cada esquina para ver os erros anteriores e percebo que não há padrões. Independente do que eu faça, tudo dará errado.

Sinto o rosto ficar vermelho como se fosse explodir. Sinto, acima de tudo, muita raiva, uma raiva terrível que eu não me lembro de ter sentido com tanta intensidade antes. Raiva por Hannah ter ido embora outra vez, sem se despedir. Raiva de mim mesmo por me sentir tão impotente. Raiva dessa vida doentia, por me fazer jogar conforme as regras e, mesmo assim, me trazer nada mais do que desgraças, derrotas, fracassos... Afinal de contas, por que tanto foco no começo e no fim? Para que investir em algo que inevitavelmente vai acabar?

Não se pode tirar nada de quem não tem nada a perder. Eu nunca a possuí. Então, por que sinto como se a perdesse? O quão fundo é o abismo causado pela queda de um sonho, uma paixão não correspondida, um amor que nem sequer começou? Algo que era apenas fruto da minha imaginação, agora me faz questionar o valor da vida, as questões existenciais. Não há romances sem epílogos. Infelizmente, meus sentimentos não podem parar. Preciso levantar essas questões antes de mais nada.

Um ímpeto selvagem me transpassou quando a vi entrando no internato, completamente linda, sexy, ostentando sua beleza antes escondida. Claro que, no começo, era apenas isso. Atração física. Agora, no entanto, não é apenas isso que pesa na minha mente. São as palavras "estou apaixonado".

Eu amo Larissa. Por isso tenho me sentido tão estranho ultimamente, consumido por uma vontade de ser notado por quem nunca dei bola. Desde então, penso em como poderei dizer isso a ela. Se é que eu terei coragem para isso. Obviamente as coisas não são tão simples. Já que ela não quer se humilhar, dizer a mim o quão idiota eu fui - e ainda sou -, eu vou ter que me humilhar, pedir perdão.

Mas e se ela não me perdoar? E se ela estiver apaixonada por outra pessoa?

Silêncio.

Esse silêncio me corta, machuca. Já é madrugada e aqui estou, debruçado na janela, encarando o céu negro, chuvoso. Estranhamente, os céus parecem acompanhar minha triste epopeia. Agora, em um momento reflexivo, eles fazem o mesmo que eu: se fecham - ou melhor, se congelam. Não há mais brilho. Nem mesmo o vento ousa interferir no luto dos céus.

Depois de alguns minutos, a chuva começa a afinar, assim como minha motivação para continuar vivendo. É assim que funciona minha conduta ultimamente. Tal como uma chuva copiosa. Minha vida está sendo tomada por uma paixão, embora eu não queira aceitar o foco dessa paixão.

***

Está começando a amanhecer e eu continuo sem dormir. Enquanto os pássaros cantam alegremente e a brisa suave do verão sussurra palavras doces, permaneço deitado na cama, sem mover um músculo. São sete da manhã quando, de repente, começo a ouvir batidas na porta. Com certeza é Érica. Tenho uma sensação de Dejà vu. Lembro da vez em que ela teve que arrombar a porta para entrar, porque eu não estava ouvindo ela bater. Há silêncio por alguns segundos e, logo depois, ela me chama:

— Adrian!

Érica bate na porta mais duas vezes, depois me chama de novo, e de novo.

— Filho, quer fazer o favor de abrir essa porta? Eu sei que você está me ouvindo. O que está acontecendo?

Um nó se forma na minha garganta. Aquilo está acontecendo outra vez. Me sinto um fraco, um derrotado, e uma enorme culpa pesa sobre meus ombros. Não quero que ninguém me veja assim. Muito menos minha mãe.

— Adrian, abra essa porta, por favor. - diz Érica, já impaciente. - Não está me ouvindo, Adrian? Mandei abrir a porta!

Envolvo minha cabeça no travesseiro, esperando não poder ouvir nada, mas não adianta.

— Me deixe em paz, mãe!

— O que disse?

— Disse para me deixar em paz!

— Adrian, já estou ficando cansada! Ou você abre essa porta ou eu mesmo a abro!

Logo percebo que Érica não está para brincadeiras. Ouço ela se afastar da porta - como se tivesse desistido de entrar -, mas, um minuto depois, ela volta com um molho de chaves. A porta se abre.

— Adrian, o que significa isso?

Permaneço em silêncio, cobrindo o rosto com o travesseiro.

— Adrian, estou falando com você. Olhe para mim!

Insisto em esconder a cara, esperando que ela se canse de tentar me fazer falar e saia do quarto. Mas tudo o que consigo é deixá-la ainda mais angustiada.

— Adrian, meu amor... Fala comigo!

Quando, enfim, a ficha cai, ela começa a chorar. Outra vez estou me entregando a depressão, agindo como um perdedor. Prometi a ela que nunca mais deixaria qualquer problema me derrubar. Infelizmente, não consegui manter a tal promessa por muito tempo.

— Adrian, por favor. Olhe para mim. Me conta o que está acontecendo. Por favor, não faça isso com você.

Levanto a cabeça para encará-la. A boca dela se abre. Não preciso me olhar no espelho para ter certeza de que estou horrível. Meu rosto e meus olhos estão vermelhos; meus cabelos, desgrenhados e fedorentos; a roupa, amassada; as mãos, sujas. Estou sem tomar banho há três dias, não me alimento direito há semanas e meu estado físico, assim como meu estado psicológico, não é dos melhores. Não preciso dizer nada para qualquer um perceber que preciso de ajuda.

Porém, tem um detalhe. Eu não quero ser ajudado.

— Escuta: seja lá o que estiver acontecendo, acredite, você pode superar. Do mesmo jeito que um momento de alegria é passageiro, a dor também é. Nós passamos por essa vida e não nos damos conta de que nós, de um jeito ou de outro, sempre vamos nos decepcionar, sofrer e quebrar a cara, mas essa é a vida. Precisamos passar por momentos de dor para reconhecer e valorizar os momentos de felicidade.

Não estou com cabeça para discursos. De que forma posso dizer a minha mãe que a única coisa que eu quero no momento é ficar sozinho?

— Já disse para me deixar em paz, mãe.

— Já falei que não. Não vou deixar você jogar sua vida no lixo. Por favor, deixa eu te ajudar. Ou pelo menos tentar. - Érica puxa minha mão. - Venha comigo. Vamos sair um pouco deste quarto. Tome um pouco de ar puro. Fale com alguém. Desabafe... - Faz uma pausa e vai até o criado-mudo. Pega o telefone. - Vamos. Ligue para alguém. Converse com algum amigo seu. Adrian...

Rangendo os dentes, afundo a cabeça no travesseiro.

— Adrian, por favor! Me ouve!

O grito dela faz minha raiva explodir.

— Mas que droga, mãe! Será que você não entende? Eu não quero sair, não quero falar com ninguém, não quero fazer nada! Me deixa em paz! Me deixa morrer!

O choro irrompe. Sem mais nada a dizer, ela se vira e sai. Mas não fecha a porta. E quando levanto a cabeça para olhar, tenho uma surpresa: Miguel está lá, parado, me encarando horrorizado.

— Miguel?

— Quem diria! Achei que não viveria para ver isto.

Para Sempre - A EscolhaOnde histórias criam vida. Descubra agora