Apenas um saco de trigo(12)

85 12 63
                                    


Haltr tinha perdido um pouco a noção do tempo ali embaixo, mas presumiu que não havia passado tanto tempo assim. Seu corpo doía em todas as partes e ele se sentia exausto. Havia chorado até que as lágrimas secassem em seu rosto e agora se sentia estranhamente melhor, não bem é claro. Tudo menos bem. Mas agora sua mente parecia menos nublada e confusa, como se tivesse sido necessário aquilo para voltar a pensar com clareza. E agora que tinha voltado a pensar com clareza, se deu conta de que estava dentro de uma mina de termalina enquanto um incêndio acontecia lá em cima. Se as chamas se alastrassem muito a grande quantidade de pó inflamável logo na entrada poderia pegar fogo, e todos os túneis seriam tragados pelas chamas. Esse era mais um dos jeitos que ele não queria morrer, somado a todos os outros que haviam quase lhe acometido naquela noite, então tratou de começar torturante subida para sair dali.

Seu joelho estava inchado, a testa era uma confusão de dores que se misturavam, um dos seus braços estava queimado e também arranhado, seu peito ainda doía com o baque no túnel e o corte ainda sangrava. Isso tudo sem contar com a faca de osso ainda presa em seu ombro, por que em meio a todo aquele desespero ele havia esquecido dela.

-Halgen vai me matar... - dizia pensando alto quando se lembrou do patrão e de como ele havia o aconselhado a não ir para o meio da escuridão. Mas aquele pensamento fez uma luz se acender na mente de Haltr - Halgen... Halgen!!!

De repente se lembrou do patrão, mas não de suas broncas e sim de que ele devia estar lá em cima também no meio daquilo tudo. Quiçá sua taverna já tivesse sido incendiada. Corroído por um enorme sentimento de culpa Haltr começou a correr túnel acima ignorando todas as suas dores. A culpa assim como o amor causam esse efeito nas pessoas. Alguém se sentindo completamente culpado vai além dos limites para tentar se retratar, e assim como o amor, a culpa as vezes não tinha sentido nenhum no porquê existir. Haltr não havia provocado nada daquilo por conta própria, e ainda sim, se sentia culpado.

Correu aos tropeços no escuro, sem se importar em cair ou bater o dedão, até começou a ver a luz no fim do túnel, era o incêndio. Apertou o passo.

O incêndio parecia ter se alastrado e agora também tomava conta do alojamento dos guardas e também das muralhas. Incendiava parte das toras que protegiam a vila, fazendo-as parecer uma muralha de fogo. Até mesmo o mastro das divindades estava em chamas, seus rostos esculpidos pareciam olhar a batalha com olhos em brasa. E para seu horror viu que o telhado da taverna de Halgen havia começado a queimar também.

-Halgen!

Haltr sabia o quão apegado ele era ao local. Trabalhou durante anos, juntou cada moeda para erguer aquela taverna. Ele não iria desistir dela facilmente. Seria mais fácil o tesoureiro se tornar honesto antes de que Halgen abandonasse o esforço de anos naquelas minas.

Então começou a correr em uma linha reta até a taverna. Não se importou com a batalha que ainda acontecia. Registrou apenas por acaso que haviam muitos corpos no chão. Muitos mesmo.

-Garoto! Vá para o navio! Saia do meio da confusão!

Algum soldado deve ter gritado isso, eles agora estavam agrupados em grupos grandes, só os mais endurecidos e experientes haviam sobrevivido e não mais caiam nas táticas dos Enks de causar terror e confusão. Enquanto Haltr corria viu um grupo de cinco soldados cercar um Enk que estava mancando e terminar o serviço. A maioria dos que ainda lutavam eram soldados, mas aqui e ali se via um guarda e até mesmo um minerador impetuoso. Após duros golpes e baixas parecia que os homens restantes tinham se organizado e finalmente estavam dando o troco.

-Tem alguém naquela taverna! - gritou Haltr como se justificasse para onde ia. Nem sequer pensou em dizer aquilo como um pedido de ajuda, era só um fato que estava comunicando.

Entre a escuridão e a auroraOnde histórias criam vida. Descubra agora