Nuvens vermelhas(23)

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Haltr estava cansado.

Nas últimas horas tudo que fez foi nadar, se parasse simplesmente começava a afundar lentamente. Quanto mais nadava, mais seus braços pareciam pesar. Mas era isso ou ser tragado para a escuridão.

Seus socos e chutes pareciam não fazer nada contra a barreira que o separava do mundo real. Aquele gelo fino e cristalino era simplesmente impenetrável. Haltr observou seu próprio corpo comer e jogar conversa fora com os demais lustsis. Ele não sabia quem estava falando aquelas palavras através de sua boca já que ele estava preso do lado de fora. Imaginou que fosse Cuinte.

O mago estava estranhamente quieto desde que o prendeu ali. Ao invés dos constantes gracejos e brincadeiras que costumava fazer, passava muito tempo com um olhar concentrado, às vezes vidrado.

Haltr não via nenhuma solução para seu problema, apenas continuava a seguir o grupo. Vez ou outra ainda tentava gritar ou chamar atenção de Sieh, mas tinha tanto sucesso naquilo quanto em tentar quebrar a barreira. As vezes, Haltr tentava fazer o mesmo com Cuinte e podia jurar que ele dava um pequeno sorriso e o olhava diretamente em seus olhos por alguns segundos, como se pudesse o ver ali embaixo.

Haltr estava começando a perceber que só ficaria mais e mais exausto, até que não conseguisse mais se manter perto de superfície. Não queria descobrir o que aconteceria então, mas estava ficando cada vez mais desesperado. Precisava encontrar uma solução antes que perdesse todas as forças.

Foi enquanto tentava pensar em um modo de sair dali que ouviu a voz.

- Você não está nadando com os seus braços.

Era cuinte, mas a voz não vinha do caçador de enks logo acima dele, parecia estar vindo de dentro de sua cabeça.

- Você está nadando com a sua mente. Está sentindo seus braços começarem a cansar, mas na verdade é a sua mente ficando esgotada.

Haltr engoliu em seco, ou nem tanto já que estava dentro da água. Tentou responder, mas de sua boca saíram apenas bolhas. Não conseguia fazer qualquer som inteligível. Cuinte, porém pareceu entender bem o que ele havia tentado fazer.

- Você não pode falar, não tem um corpo. - Uma risadinha satisfeita se fez ouvir - Não é óbvio? Mas pode me ouvir porque estou falando diretamente na sua mente.

Haltr sentiu a raiva crescer e tentou bater na barreira mais uma vez, porém a água e a exaustão deixavam seus socos lentos e fracos.

- Guarde suas forças... ou não. Sua Mente é um pouco mais forte que o comum, mas não importa. Ela já está fraquejando e quando perder totalmente as forças vai afundar... quer saber o que vai encontrar lá no fundo? Nada. Vai simplesmente ficar na escuridão para sempre, e quando eu abandonar seu corpo para trás, ele será apenas uma casca vazia.

Cuinte deu um sorriso cruel, o primeiro que revelava sua verdadeira natureza, bem diferente do jeito amigável e jovial que tinha demonstrado até então. Mas quando ele fez aquilo Haltr viu o próprio corpo tropeçar de leve em uma parte mais acidentada da estrada, o sorriso de Cuinte logo morreu e ele voltou a mostrar um olhar concentrado enquanto andava. Alguns lustsis encararam o corpo de Haltr e este pareceu dar um sorriso sem jeito. Parecia que Cuinte realmente precisava se concentrar para controlar o controlar. Aquilo deu uma pequena faísca de esperança para Haltr, tão pequena que tinha até medo de apagá-la ao pensar seriamente se aquilo poderia dar certo.

Haltr começou a usar todas as suas forças para tentar distrair Cuinte, se conseguisse, talvez pudesse o fazer errar, ou então seu corpo pudesse demonstrar algo de estranho, talvez Sieh pudesse notar algo, fazer algo. Eram muitos talvez. Mas era tudo que tinha.

Entre a escuridão e a auroraOnde histórias criam vida. Descubra agora