Tempestade(18)

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As gotas de chuva já estavam começando a cair enquanto Haltr terminava de ajudar a relocar a última carroça lustsi. Haviam dezenas delas em Turach. Demorou cerca de uma hora, mas com o esforço de todos os outros lustsi haviam levado todas para a rua lateral sem precisar pegar os cavalos. Haltr estava puxando a última junto com um lustsi jovem chamado Eider quando sentiu um leve impacto na carroça. Ao olhar para trás viu Sieh sentada em cima dela, quase não adicionou nenhum peso a carga. Depois de ser notada ela semicerrou os olhos, como se sorrisse de modo travesso por trás do véu, e disse.

- Vamos logo! Está começando a chover! Precisamos cobrir elas com as lonas!

- Sai daí Sieh, se não quer ajudar não atrapalha! - Reclamou o outro lustsi.

Sieh saltou para fora da carroça e chutou o ar fazendo um teatrinho perfeito de uma criança chateada.

- Eu não sou um jovem forte como vocês. Preciso ajudar como posso. - Dizia dando de ombros, a perfeita imagem da inocência magoada.

Eider revirou os olhos e voltou a puxar a carroça e então disse em um tom de alerta.

- Não deixe ela abusar de você. Eu conheço Sieh, ela tenta abusar da boa vontade de todo mundo. Só não dá certo conosco porque já estamos calejados. Mas os pais dela ainda caem. Principalmente Esron.

- Ela é bem... - Haltr não soube o que dizer. Bem expressiva? Carismática? Não, não era isso. Ela era essas coisas também. Mas Haltr não sabia exatamente como colocar o que ela era em palavras.

- Ela é cheia de si, isso sim.

Haltr assentiu em silêncio e se perguntou se Eider estava falando aquilo porque viu as outras vezes em que Sieh subiu em cima das carroças enquanto ele puxava sozinho. Na hora não soube como lidar com aquilo. Como ficava ligeiramente abobalhado na presença dela, acabou não falando nada.

Quando enfim estacionaram a última carroça junto as outras, Eider a cobriu com uma lona mais grossa e impermeável para proteger as mercadorias da chuva que viria enquanto Haltr o ajudava a amarrar na carroça. Depois que terminaram, Eider enxugou a testa e suspirou, ele tinha a pele morena como a dos demais lustsi, mas seus olhos eram de um azul claro ao invés das cores mais escuras que pareciam predominar entre eles. Contrastavam mais do que as cores do olhos de Sieh, embora não fossem nem de longe tão expressivos. Ele era alto e magro e usava uma espécie de lenço amarrado sobre os cabelos de modo que uma pequena faixa de tecido lhe cobria a testa.

- Pronto agora tudo feito. Só esperar a chuva passar. - Disse ele.

- Você é do mesmo grupo que Sieh? Digo, vai viajar conosco também?

- Não existem exatamente grupos fixos... estamos sempre nos misturando. Todos se conhecem. Daqui até as areias douradas. Estamos sempre viajando.

- Oh, dever ser legal. Conversei um pouco com Sieh sobre vocês, digo, o jeito como vivem. É interessante. - Disse Haltr tentando puxar conversa. Era melhor se enturmar, afinal, viajaria com eles.

- Nem tanto quanto parece. É só viajar o tempo todo, sem se firmar, fazendo negócios, e ajudando as pessoas. Veja, não é que eu não goste de ajudar as pessoas. - Justificou - mas eu gostaria de me fixar alguma hora. Não vejo porquê ficar sempre andando por ai.

Sieh apareceu e se meteu no meio da conversa, falou como se recitasse um sermão, sua voz soou masculina e austera, como se imitasse alguém mais velho.

- Se estabelecer significa criar raízes, juntar coisas. Se nós lustsi ficássemos parados iriamos fazer parte das cidades, reinos. Algum de nós iria viver melhor que outros. Se não pela riqueza, pelo mero acaso. Enquanto um lustsi poderia morar em um lugar tranquilo, outro poderia não ter a mesma sorte, e assim nos dividiríamos, em ricos ou pobres, em afortunados ou não. Enquanto andarmos sobre esses pés cansados seremos todos iguais!

Entre a escuridão e a auroraOnde histórias criam vida. Descubra agora