A última verdade(19)

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O clima estava estranho, e não tinha relação alguma com a tempestade. Todos os lustsis estavam calados, mas era um silêncio tenso e cheio de olhares. Ora se entreolhavam como se estivessem se perguntando o que fazer ou o que ia acontecer, ora olhavam para Haltr como se desconfiados. Ele percebia que existia uma longa conversa entre eles que não estava sendo dita por causa de sua presença ali. Ao invés de se sentir acolhido entre eles agora se sentia como um intruso. Sieh não o encarou nenhuma vez desde que entrou e ele acabou fazendo o mesmo com ela.

Sua mente ainda estava confusa tentando decifrar o que estava acontecendo. Havia pequenos espinhos no rosto de Sieh e aquilo o fez se perguntar se ela era Enk, mas estava em dúvida afinal os enks que atacaram Porto Negro eram bem diferentes. Haltr se lembrava de seus olhos completamente negros que se assemelhavam a um inseto, dos espinhos enormes que saiam do pescoço e do rosto. Sieh não tinha nenhum espinho no pescoço e os do rosto eram bem pequenos. Mas acima de tudo o motivo que mais o fazia duvidar do que viu não era racional, duvidava simplesmente porque era difícil acreditar que Sieh era uma enk.

- Maldita chuva que não para! Vamos continuem a tirar as coisas das prateleiras de baixo. - Ordenou Esron, mas sem muita força na voz.

Por algum tempo foi naquilo que se concentraram e Haltr ajudou porque não sabia o que fazer, dizer, ou sequer se ainda deveria estar ali. Era como uma daquelas situações onde a visita presenciava uma briga de família só que mil vezes pior.

Ninguém parecia reconhecer sua presença ali, não lhe dirigiam a palavra e fora os olhares discretos de desconfiança era como se ele não existisse. Todos se concentravam apenas em salvar as mercadorias do armazém. Era como se a tarefa fosse só uma boa justificativa para adiar algo que seria inevitável. Haltr só não sabia o que.

Enquanto trabalhava teve que desalojar uma família de ratazanas que se escondia dentro de um baú, elas saíram nadando agilmente pela água suja e subiram em outra prateleira. Haltr estava meio tenso então nem lhe passou pela cabeça fazer outra coisa além de observar as ratazanas fugirem. Enquanto as olhava ouviu Ital cochichar com o marido.

- Perdemos a cabeça? Temos que ir ver se algum deles está vivo. Mesmo que não estejam, não podemos os deixar estirados lá na chuva.

- Você está certa. Que eu tenha sabedoria para lidar com isso... por Iratir... - Praguejou Esron baixinho com um suspiro tenso. - Fique aqui e observe ela... eu vou lá fora tratar disso.

Esron então saiu do armazém e não voltou durante algum tempo. Haltr não ousou comentar nada nem olhar diretamente nos olhos de ninguém. Mas enquanto trabalhava ouviu Ital sussurrar novamente, dessa vez para Sieh.

- Onde encontrou essas... - Ela pareceu hesitar, como se as próprias palavras fossem amaldiçoadas. - Essas armas? Você está se encontrando com eles de novo? - Questionou ela em um tom acusatório.

- Por favor, mãe... Eu só estava defendendo você. - Falou Sieh em um tom angustiado que quase não se podia ouvir em meio ao estrondo da chuva.

- Me defender é matar? Você matou. - Ela parou para organizar a frase melhor - Pode ter matado duas pessoas... acha mesmo que era a única solução? São essas coisas que eles ensinaram para você? Matar? Eles por acas-

Mas Ital foi interrompida por protestos indignados de Sieh antes de terminar sua frase.

- O que isso tem a ver com eles?! Somos ovelhas por acaso? Enquanto caem sobre nós com facas devemos ficar balindo?! Deixar as pessoas que amamos serem feridas?! É tudo sobre enks para você! Sempre! Você queria que eu... - A voz de Sieh pareceu engasgar - Você queria que eu não fosse eu! Essa desconfiança nunca vai acabar! - Gritou ela.

Entre a escuridão e a auroraOnde histórias criam vida. Descubra agora