Capítulo 11

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Os dois entraram em mais uma rua forrada de gelo. A neve precipitava-se persistente, mas amena

suave, quase natural. Um usando roupas esfarrapadas, como furtadas de um decrépito museu de cera.

,O outro trajando roupas comuns, roubadas de um desafortunado mortal. Conversavam tranqüilamente,

como duas pessoas absolutamente comuns. Mas não eram. Eles matavam por sangue. Eles andavam à

noite. Eles dormiam em celas escuras e temiam o mesmo irmão. O irmão vendido. O irmão terrível.

Seus corações não pulsavam. Tinham poderes sobrenaturais para defender-se da fúria dos mortais, dos

caçadores, dos exterminadores. Um deles podia fazer gelar o ar, podia congelar a noite. O outro podia,

se for possível classificar dessa maneira, podia algo ainda mais incrível.

- Assim que me fiz liberto na noite de ontem, após te aguardar devidamente, tratei de encontrar

um dos nossos lugares favoritos, meu irmão.

- Um cemitério?

- O, mas que gajo mais afoito! Mas, se te satisfaz saber, sim, encontrei um cemitério.

- E é grande como o do Porto?

- Ah, não é, não. Mas não te incomodes, Manuel. Já que tu nem sabes se ainda sabes fazer.

- Ora, pois, não vês que tu ainda sabes muito bem como congelar?

- Tens razão, ó lusitano. Tens razão.

- Mas é preciso defuntos frescos, senão de que me adianta?

- Ora, Manuel. Persistes em ser um agourento, não é?

Manuel avistou os crucifixos apontando por cima dos muros ao lado dos quais caminhavam. Seus

olhos chegaram a emanar um brilho cintilante, tamanho o contentamento.

- Ora, este pequenino é perfeito. - murmurou Manuel, com a costumeira voz baixa e rouca,

espiando através do portãozinho metálico acorrentado. - E certamente há gente fresca nas tumbas.

Posso sentir o cheiro de um defunto fresco a léguas.

Inverno parou em frente ao portão metálico e empregou sua força vampírica para romper as

correntes que guardavam o cemitério dos violadores de túmulos. Abriu-o, deixando as correntes

caírem, causando um impacto cadenciado contra a neve no chão. Os dois entraram.

Manuel sentia como se os pés caminhassem sobre uma estrada de ouro, enfeitiçado pelo cheiro das flores

aprisionadas nos caixões. Sentia o cheiro de defunto fresco tão deliciosamente quanto o detectar de uma

hemorragia. Percorreu os caminhos cobertos de neve sobrenatural até alcançar uma tumba onde certamente jazia

um defunto fresco. Para seu truque mágico funcionar, era necessário que o defunto estivesse morto no máximo

havia cinco dias e com os ouvidos desobstruídos de dentes de alho, a única proteção que a família poderia

dispensar ao ente entregue à morte se não desejasse vê-lo perambulando pelas vilas novamente. Nenhum cheiro

de alho chegou às narinas do vampiro, que ainda não testara seu truque porque descobrira algo muito

interessante enfeitando a cova do morto. Na lápide, acima do breve epitáfio, havia cravada a mais bela pintura

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