Capítulo 20

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Manuel já havia se acostumado ao som das goteiras. O barulhinho era entediante, bem diferente

daquele embalado dos tais Guns N' Roses. Ele havia apanhado o aparelho de produzir música, mas

aparentemente precisava de uma fonte constante de energia elétrica. Por mais que revirasse suas

alavancas pequeninas, não conseguia extrair uma nota sequer. Já começava a sentir saudade do jeito

engraçado daquela voz mágica falar, descrevendo as músicas que haviam escutado e as próximas a

serem ouvidas. Haviam ficado a bordo da serpente de ferro até atravessar o túnel encravado na

montanha. Como faltavam apenas duas horas para a alvorada, decidiram saltar da serpente, deixando-a

seguir sozinha seu caminho. Tinham de improvisar um abrigo seguro, e aquele túnel na montanha

parecia seguro o suficiente. Era extenso e curvo e certamente haveria de bloquear a mortal luz do sol.

Tiveram de voltar alguns quilômetros até chegar ao túnel. As paredes internas eram feitas de pedra, e

em vários pontos havia goteiras de água cristalina despencando do teto. Devido à sua extensão,

assemelhava-se a uma legítima caverna. Em diversos trechos encontraram reentrâncias grandes o

suficiente para caberem os dois. Queriam algum lugar bem no meio da curva, na face oposta, onde,

mesmo que o sol ali chegasse, estariam protegidos. Encontraram uma reentrância, mas precisaram retirar

algumas pedras para que a toca abrigasse os dois. Manuel ficou mais ao fundo. Como Guilherme

era mais alto, tapava-lhe toda a visão. Entretanto, mesmo com toda a precaução, se alguma luz do sol

chegasse, pegaria o parceiro primeiro, em vez dele, ou os dois ao mesmo tempo. Ficaram de pé, e era

assim que adormeceriam naquele novo dia. Em pé, encovados no túnel escuro.

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- Quanto tempo leva? - perguntou o menor.

- Depende do cagaço, piá. Os dois maiores riram.

Humberto ficou sem entender. Era o mais novo, com nove anos. Os dois maiores, Renan e

Aparecido, tinham treze anos cada um. Eram mais espertos e mais valentes. Estavam acostumados com

aquela travessia. Para ele, era a primeira vez.

- Agora só falta este morro.

Escalaram uma subida íngreme, agarrando-se nas raízes de mato para vencer o percurso. O morro

tinha uns doze metros, alto o suficiente para se machucar numa queda acidental. Aparecido chegou

primeiro ao topo e estendeu a blusa para o pequeno Humberto subir mais confortavelmente. Lá em

cima, logo nos primeiros metros, o chão de terra vermelha se cobria da brita que forrava a estrada de

ferro. Os trilhos sobre os dormentes corriam rasteiros, retos e paralelos, até lá na frente, a uns trinta

metros, quando sumiam na boca escura da caverna. Era assim que os meninos da vila chamavam o

túnel. A caverna. Era bastante comprido, e seus duzentos e setenta metros rendiam aventuras

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