Eram nove horas da noite, e havia muito o sol tinha abandonado o fuma-mento. A quentura do
astro-rei havia dado passagem para a noite, com a lua crescente a decorar o frio céu escuro. Poucas
estrelas apareciam. O vento rápido varria o litoral, mas de um jeito bem diferente do vespertino, que
fora morno e agradável. Agora era a hora do vento frio. Do frio sobrenatural. E ele caminhava calmo
pela areia da praia. Aspirava o ar da noite. Sabia que estava distante de sua terra natal. Sabia que ali
não era Portugal. Pelo cheiro, ele sabia. Sentia o corpo se fortalecendo novamente. Sua última refeição
fê-lo forte e desperto. Sentia tudo voltando aos eixos, como antigamente. Tinha agora que cumprir uma
jura antiga, tão antiga quanto seus pensamentos, tão antiga quanto sua pele branca. Tinha de cumprir a
promessa que fizera a seus odientos irmãos. Eles mereciam. Os odientos e amados irmãos. Eles
também tinham de experimentar daquele ar diferente, daquele ar estrangeiro. Precisavam descobrir
tantas coisas novas desse novo mundo. Um mundo que lhes fora negado. Um mundo que estava prestes
a ver uma cicatriz escondida e esquecida sangrar novamente. Um mundo que parecia ter perdido os
medos antigos. Um mundo incrédulo e, portanto, extremamente frágil e desprotegido. Ali, como seria
fácil voltar a reinar! Seria ruim demais voltar para tudo isso sozinho, sem ter a quem se gabar. Como
era bom voltar com o frio assombrado, congelar aqueles seres amedrontados, fazê-los suplicar por suas
vidas frívolas e curtas! Como eles haviam mudado! Isso era inegável. Mas ele sabia que seus corpos
eram os mesmos. O frio dotado que fluía de seu corpo sem causar nenhum desconforto era o mesmo e
congelava-os à sua simples presença, o seu menor desejo. Como era bom ser um monstro cruel! O frio
era tão intenso que a praia estava completamente deserta àquela hora. Ouvia nos lares distantes as
vozes chorosas das crianças. A tosse definhava, rasgando o peito das mulheres e dos menores. Ah!
Essa era sua música favorita, era sua música maldita. Logo muitos deles estariam morrendo,
restabelecendo seu império de terror, fazendo-o forte o suficiente para retornar ao seu pequeno e amado
castelo, retornar ao rio D'Ouro. Por ora, era sua missão o resgate dos irmãos. Aqueles malditos e cruéis
seres. Aqueles semelhantes e procedentes da mesma terra, do mesmo mal, do mesmo jeito, mo seria
bom voltarem juntos para enfrentar as faces modorrentas e suplicantes daquela raça odiada! A raça dos
humanos. Dos caçadores. Dos mortais.
Inverno apressou o passo. Vestia uma camisa branca e limpa, uma calça jeans preta e calçava um
par de sapatos, todas as peças usadas por um humano que não tivera outra alternativa a não ser deixá-lo
levar suas vestes. Apesar da ansiedade em chegar logo ao ponto onde deixara seus irmãos, o monstro
percebia que faltava alguma coisa no ar. Faltava algum tipo de aviso.
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Os sete
KorkuDo mesmo autor de "O Senhor da Chuva", Adré Vianco. Lançado de forma independente em 2000, Os Sete, de André Vianco, conquistou uma multidão de fãs e se tornou um best-seller, vendendo mais de 100 mil exemplares. O sucesso foi tão grande que consagr...