Guilherme soltou o rifle no chão. Ajeitou o cabelo molhado, colocando-o todo para trás. O cheiro
de Lobo já desaparecera completamente. Tinham agora de se preocupar com os soldados. Certamente
estariam vindo atrás do grupo fugitivo. A chuva ainda caía. Ainda precisavam daquela distração.
Precisavam mover-se dali. Brevemente o rio não seria mais seguro. Usando seu salto vampírico,
alcançou o alto do muro de pedras. Havia acertado. Um pouco mais acima percebeu uma rua coberta
daquele chão negro, por onde as máquinas velozes circulavam. Subiu um pequeno morro gramado até
atingir o calçamento. Apesar da chuva, havia muitos humanos passando por aquele pedaço. Os carros
passavam velozes, e as pessoas amontoavam-se do outro lado da via, protegendo-se sob o teto de
animadas casas comerciais. Vários daqueles carros velozes, que seriam muito úteis naquele momento,
estavam estacionados do outro lado. Seus olhos depararam-se com um em particular. O carro de prata
igual ao do senhor Donato. A H100. Guilherme atravessou a avenida, aguardando prudentemente o
trânsito de seges ser interrompido pela luz vermelha. Aproximou-se do veículo. Das casas comerciais
sons animados de instrumentos diversos escapavam em alto volume para animar a noite. Só poderia ser
um povo festeiro aqueles brasileiros. Em plena tempestade, encontrar disposição para tanta algazarra
era coisa que Guilherme ainda não havia visto. Seus olhos percorreram as casas comerciais. Tinha
esperança de encontrar a chave de sua escapada. E lá estava ela. Batendo com as mãos em um objeto
circular e barulhento. Donato, sentado junto a uma roda animada de homens de todas as idades, que
cantavam alegremente uma música de ritmo delicioso. Caminhou até ele. Naquele estabelecimento
havia diversas mesas, repletas de pessoas, homens e mulheres, falando em voz alta, cantando com o
grupo animado. Os corredores, cheios de gente indo pra lá e pra cá. Guilherme abria passagem entre as
pessoas, que, quando o viam, se afastavam com repugnância. Percebendo o olhar assustado de uma
garota de cabelo verde, tratou de limpar da boca os fios de sangue que maculavam sua pele pálida. Mas
logo notou que não era exatamente a presença de sangue que afastava os humanos dele. O rio podre
havia impregnado nele o cheiro forte de excremento e urina. Aproximou-se da mesa onde Donato
festejava visivelmente embriagado. Saudou-o com um aceno de mão. Donato olhou-o demoradamente,
parecendo não o reconhecer, depois deu um salto da cadeira e veio ter com ele.
- O português! Tomaste chuva, foi?
- Um monte, meu amigo brasileiro. Um monte.
Donato aproximou-se e fez menção de abraçá-lo, mas desistiu antes de colar os braços.
- Mas que fedor! Tu caiu numa boca-de-lobo?
Guilherme arregalou os olhos. Estaria o brasileiro referindo-se ao seu amigo?
VOCÊ ESTÁ LENDO
Os sete
HorrorDo mesmo autor de "O Senhor da Chuva", Adré Vianco. Lançado de forma independente em 2000, Os Sete, de André Vianco, conquistou uma multidão de fãs e se tornou um best-seller, vendendo mais de 100 mil exemplares. O sucesso foi tão grande que consagr...