Capítulo 23

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Guilherme soltou o rifle no chão. Ajeitou o cabelo molhado, colocando-o todo para trás. O cheiro

de Lobo já desaparecera completamente. Tinham agora de se preocupar com os soldados. Certamente

estariam vindo atrás do grupo fugitivo. A chuva ainda caía. Ainda precisavam daquela distração.

Precisavam mover-se dali. Brevemente o rio não seria mais seguro. Usando seu salto vampírico,

alcançou o alto do muro de pedras. Havia acertado. Um pouco mais acima percebeu uma rua coberta

daquele chão negro, por onde as máquinas velozes circulavam. Subiu um pequeno morro gramado até

atingir o calçamento. Apesar da chuva, havia muitos humanos passando por aquele pedaço. Os carros

passavam velozes, e as pessoas amontoavam-se do outro lado da via, protegendo-se sob o teto de

animadas casas comerciais. Vários daqueles carros velozes, que seriam muito úteis naquele momento,

estavam estacionados do outro lado. Seus olhos depararam-se com um em particular. O carro de prata

igual ao do senhor Donato. A H100. Guilherme atravessou a avenida, aguardando prudentemente o

trânsito de seges ser interrompido pela luz vermelha. Aproximou-se do veículo. Das casas comerciais

sons animados de instrumentos diversos escapavam em alto volume para animar a noite. Só poderia ser

um povo festeiro aqueles brasileiros. Em plena tempestade, encontrar disposição para tanta algazarra

era coisa que Guilherme ainda não havia visto. Seus olhos percorreram as casas comerciais. Tinha

esperança de encontrar a chave de sua escapada. E lá estava ela. Batendo com as mãos em um objeto

circular e barulhento. Donato, sentado junto a uma roda animada de homens de todas as idades, que

cantavam alegremente uma música de ritmo delicioso. Caminhou até ele. Naquele estabelecimento

havia diversas mesas, repletas de pessoas, homens e mulheres, falando em voz alta, cantando com o

grupo animado. Os corredores, cheios de gente indo pra lá e pra cá. Guilherme abria passagem entre as

pessoas, que, quando o viam, se afastavam com repugnância. Percebendo o olhar assustado de uma

garota de cabelo verde, tratou de limpar da boca os fios de sangue que maculavam sua pele pálida. Mas

logo notou que não era exatamente a presença de sangue que afastava os humanos dele. O rio podre

havia impregnado nele o cheiro forte de excremento e urina. Aproximou-se da mesa onde Donato

festejava visivelmente embriagado. Saudou-o com um aceno de mão. Donato olhou-o demoradamente,

parecendo não o reconhecer, depois deu um salto da cadeira e veio ter com ele.

- O português! Tomaste chuva, foi?

- Um monte, meu amigo brasileiro. Um monte.

Donato aproximou-se e fez menção de abraçá-lo, mas desistiu antes de colar os braços.

- Mas que fedor! Tu caiu numa boca-de-lobo?

Guilherme arregalou os olhos. Estaria o brasileiro referindo-se ao seu amigo?

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