- Te fiz isto porque esta história tem de ter um fim. Não vou permitir que tu morras. Que tu
percas alguém que tanto amas. Já me tiraram um amor. Já me roubaram um irmão. E agora vejo tu, ó
gajo, aí deitado, estremecendo, à beira da desconhecida morte... isso me dói tanto! Não vou permitir
mais dor sem propósito. Vou te contar por que estou aqui contigo, por que não parti com aquela corja e
por que perdi o amor por aqueles que já chamei sinceramente de irmãos. Muito antes do avô de seu
bisavô ter nascido, muito antes de Portugal ser chamado Portugal, quando o Céu e o Inferno entraram
em conflito, nós fomos criados. De pouca coisa me lembro antes de ter sido apresentado à Vida Escura,
mas jamais me esquecerei daquele primeiro dia. Éramos centenas, não apenas esses sete amaldiçoados.
Éramos pobres corpos sem almas. Velas sem chamas que, como nós, são eternas. Tínhamos vidas
comuns. Agricultores, cavaleiros, artesãos... todo tipo de trabalhador, nobres ou clérigos. Naquela noite
escura eles vieram e roubaram nossas almas. Daí em diante, passamos a ser rejeitados, excluídos. Não
entendíamos o que nos acontecera. Estávamos tristes, doentes... mortos. Ai! Que insanidade era
aquela? Estávamos mortos... mas vivos. Era natural que os normais nos rejeitassem... Que tipo de
criaturas doentias se alimentavam de sangue humano? Somente nós. Tornamo-nos uma aberração,
monstros temidos. Criamos nosso próprio vilarejo; tentávamos nos manter afastados dos humanos ali,
mas a loucura era inevitável! O sangue! Queríamos voltar a nossas vidas antigas. Nossa vida
iluminada, de coração pulsante e corpo quente. Queríamos voltar a ser simples humanos, mortais. Para
isso, nosso corpo pedia sangue. A sede! Ela sempre vinha sorrateira. Por mais que você abominasse a
idéia de tomar a vida de um ser vivente, arrancando-lhe até a última gota de sangue, a sede vinha
implacável, opressora. Sempre lutei contra a sede.
Mesmo sabendo que já não era semelhante aos humanos. Era agora uma nova criatura.
Vulnerável ao sol, vulnerável ao alho. Não tinha mais o brilho dos humanos. Eu era agora uma criatura
fadada a passeios noturnos, acompanhada apenas de meus semelhantes, de meus irmãos. Mas esses
irmãos imbecis eram pouco cautelosos e atacavam sem prudência alguma, muitas vezes sem estar com
a sede, muitas vezes por simples prazer em matar. A ira. A ira dos humanos não tardou. Começaram a
organizar caçadas periódicas aos meus semelhantes.
Começaram a aprender sobre nós. Começaram a nos chamar de vampiros. Fomos caçados,
odiados, acossados. Nós, os vampiros, ao contrário do que se pensa, não somos imortais. Os humanos
aprenderam como pôr fim à nossa existência. Mas com o passar do tempo nós também aprendemos a
desenvolver nossos poderes. A cada ano de existência nossa força física aumentava gradualmente.
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Os sete
HorrorDo mesmo autor de "O Senhor da Chuva", Adré Vianco. Lançado de forma independente em 2000, Os Sete, de André Vianco, conquistou uma multidão de fãs e se tornou um best-seller, vendendo mais de 100 mil exemplares. O sucesso foi tão grande que consagr...