Capítulo 27

69 4 0
                                    


César prestava atenção à televisão enquanto separava algumas moedas. Queria somente as de

prata pura. Havia reservado um bom número delas. As notícias da fera que assombrara Porto Alegre

não o impressionavam. Conhecia aquele tipo de fera. Era aliada aos sete. Um vampiro com o dom de

transformar-se em lobo. O Lobo. Mais um do qual já haviam descoberto o porquê do nome. Mais um

assassino. Uma espécie de lobisomem. De sua providencial reserva de moedas, separou dezesseis de

prata e colocou-as em um pequeno saco de papel pardo.

Olavo virou a cabeça na direção do amigo ao ouvir o tilintar metálico das moedas que caíam

ruidosamente para dentro do saco. Ele também conhecia a estranha fera vista na noite passada e já

havia se deparado com os próprios vampiros, bem no pátio do IML. Havia olhado nos olhos daquelas

criaturas. Aquelas criaturas que tinham tirado a vida de seu amigo e dado vida aos mortos. Sabia que

tinham poderes funestos. Congelavam e ressuscitavam. Por que não haveriam de se transmutar em

lobos bestiais e carniceiros? Era hora de acabar com aquilo.

César levantou-se e dirigiu-se para a porta. Foi seguido por Olavo.

- Você vai fazer o que eu tô pensando? - perguntou.

César meneou a cabeça positivamente enquanto guardava o pacote pardo no bolso da jaqueta

jeans.

- Você sabe fazer? - perguntou César.

- Não, mas sei quem sabe. Lembra do Neco?

Cesão balançou a cabeça novamente, trancando a porta.

- Que tem o Neco?

- Pois é, o Neco é ourives. Se ele não souber fazer, pelo menos vai nos levar até quem trabalhe

com isso.

Os dois subiram no jipe verde-oliva temporariamente emprestado pelo Exército e partiram

vagarosamente.

O sol estava radiante, mas mesmo assim César fez questão de usar a jaqueta. Já estava

acostumado com as reviravoltas meteorológicas desde que aquele português havia despertado. Poderia

passar frio, mas não por falta de precaução.

César imprimiu maior velocidade ao jipe, fazendo o vento aumentar.

- Você acha que funciona?

- O quê?

- Esse negócio de bala de prata.

- Sei lá, Olavo. É melhor funcionar. Tudo o que temos a nosso favor são essas lendas. Os

próprios vampiros, para mim, até dois dias atrás eram lendas. Hoje... você sabe. Onde há fumaça,

sempre há fogo. Se o Exército inteiro, com arma de tudo que é qualidade e calibre, não está

conseguindo botar um ponto final nessa palhaçada, é melhor que as moedas nos ajudem. Vamos juntar

todas as lendas que conhecemos sobre vampiros...

- Água benta, crucifixos, alhos...

- E, para lobisomens, bala de prata. Não é?

- É, acho que é.

Cinco minutos depois estacionavam em frente a uma velha residência, com altos portões de

madeira, no centro de Amarração. Era a casa do ourives Neco. Desceram. Olavo sabia que não havia

campainha e tratou de bater palmas. A primeira resposta foi o latido do pastor alemão de estimação de

Neco. Continuaram a clamar até que ouviram o homem gritando para aguardar. Neco apareceu com

cara mal-humorada, enrolado num roupão de mulher que mal encobria a gorda barriga. Era um cara

engraçado, magro mas barrigudo ao mesmo tempo. Neco segurou o cão pela coleira e pediu para os

rapazes entrarem.

- Que é que vocês dois querem assim tão cedo?

- Dá um tempo, Neco. São quase onze da manhã.

A casa de Neco era uma das únicas na cidade que possuía grades de ferros grossos em todas as

janelas e portas. Deveria ter um bom estoque de metais e pedras preciosas.

Olavo explicou o que queriam.

- Alas para que diabos vocês vão querer bala de prata, gente?

- Para matar lobisomem. - respondeu César, secamente.

Neco desatou a rir até quase perder o fôlego. Estava com o corpo encurvado, debruçado sobre a

própria barriga. Ergueu os olhos para ver se os dois o acompanhavam naquela gostosa gargalhada.

Ficou meio sem jeito quando viu que eles permaneciam em silêncio, limitados a observar. Neco parou

de rir.

-- Balas de prata?

Confirmaram com um meneio de cabeça.

- Que tipo de balas de prata?

Cesão fuçou na bolsa e pegou um pacote pardo.

- Trinta e oito e cargas para espingarda calibre doze.

Estendeu o material ao ourives, mostrando que se tratava de cápsulas deflagradas. Tirou do bolso

da jaqueta o outro pacote pardo.

- São moedas de prata pura. Faça quantas balas conseguir. Pago para você em dinheiro porque

desconfio que vou precisar de todas que tu puder extrair dessas coisas aí - explicou Cesão, com a voz

grave.

Neco apanhou o segundo pacote e o colocou sobre a mesa de trabalho, enquanto coçava o queixo.

- Eu faço.

Os seteOnde histórias criam vida. Descubra agora