Capítulo 16

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Ai, que sensação estranha era aquela! O corpo revivido! A prorrogação. Poder andar após a morte

lhes proporcionava a sensação de que os deuses da morte estavam num tipo de férias, fazendo vista

grossa da impertinência dos recém-revividos.

Terezão esfregou o pescoço como se quisesse arrancar a marca deixada pela corda enforcadora.

O coração queimava, e sua vontade de vingança aumentava.

Vladimir puxava a garotinha pela mão e dirigiam-se ambos para o mesmo bairro. Iriam voltar

juntos. Ela era a prova máxima de sua inocência. Sua cabeça, entretanto, não se ocupava agora com a

menina. A mente tentava desenhar a expressão de pânico e terror que seu assassino apresentaria ao se

depararem olhos nos olhos. Ocupava-se agora em tramar a vingança ideal. Tramava o sofrimento ideal.

Como seu ressuscitador dissera: "existem castigos piores do que a morte". Vladimir certamente os

descobriria e reservaria alguns para seu estimado ex-sócio. A garota tinha apenas vontade de voltar

para casa, de rever seus parentes. E bem verdade que uma raiva nunca antes experimentada crescia em

seu pequeno coração, uma raiva que fora plantada como uma semente por Acordador. Por que eles

permitiram que ela fosse carregada e trancafiada numa geladeira de necrotério? Voltaria para seus pais.

Voltaria e descobriria.

Lá atrás, ainda no prédio do IML, os três soldados lutavam contra a inércia provocada pelo gelo

sobrenatural. Logo estariam livres novamente. Logo estariam no seu encalço de seu estranho assassino.

Terezão caminhava nu pelas ruas geladas, com destino certo. Sabia onde encontrar seus

assassinos. Alguma coisa oculta lhe dizia que naquela mesma direção encontraria o filho da puta do

policial que o atingira na perna e o enjaulara. Maurício. Era como se algo lhe assobiasse ao ouvido:

continue nessa direção que não te escapa. Precisou de quinze minutos para chegar à rua da delegacia.

O policial Maurício acordou mais uma vez. Aquele frio inexplicável incomodava demais. Apesar

de ter trazido um cobertor de casa para o infeliz plantão, ainda era insuficiente. O frio era tanto que até

os detentos se comportavam de modo diferente. Desde as oito da noite não havia nenhum tumulto,

nenhum pio. O frio era exagerado, obrigando-os a unir-se para conseguir algum calor até o raiar de um

novo dia. O frio criava solidariedade. Consultou o relógio: eram quatro e dez da manhã. Seu plantão ia

até as oito. Estava torcendo para que fizesse sol e o dia lhe devolvesse algum calor para esquentar os

ossos. Recostou-se mais uma vez na cadeira, na esperança de que o pessoal do IML não ligasse

novamente, que ninguém ligasse novamente. Queria dormir. Espalhou o cobertor o melhor que pôde e

já estava quase cochilando quando bateram na porta da delegacia. Lembrou-se de tantos palavrões

quanto sabia e levantou-se contrariado. As batidas soaram de novo. Alguém iria ouvir poucas e boas.

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