Capítulo 14 - O julgamento

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(...) Delphine estava sentada apoiada em uma das paredes do cômodo. Tinha feito suas necessidades em um recipiente deixado no canto do porão com tal finalidade. Sentia os primeiros indicativos de desidratação, devido ao período sem ingerir água. A fome, por sua vez, era cada vez mais intensa, deixando-a mais irritadiça e fraca. Seus pensamentos foram interrompidos novamente por passos bruscos.

— Vamos. A Comunidade aguarda pelo seu julgamento. — Westmoreland anunciou.

**********

Meses antes

— Mestre o centro de saúde está superlotado. Precisamos encaminhar os feridos para fora da Comunidade. Não nos resta outra opção. Precisamos utilizar o caminhão...

— Aldous ponha-se no seu lugar. — interrompeu impassivo. — Isso está completamente fora de cogitação.

— Mas mestre, centenas morrerão dessa forma. — tentou argumentar o homem.

— Reúna os vassalos. — Westmoreland ordenou.

— Todos estão concentrando os esforços nos cuidados com as vítimas, senhor.

— Acho que estamos tendo um pequeno problema de comunicação aqui. — bufou Westmoreland. — Reúna os vassalos. Agora! — vociferou com sua paciência já no limite.

O homem sacou seu celular e, visivelmente abalado, contatou os vassalos conforme o mestre havia ordenado. Aldous era um dos vassalos mais antigos da Comunidade e tinha que admitir que muitas coisas estavam passando pela sua cabeça desde o desabamento. As palavras da esposa do mestre ecoavam em sua mente. Naquele jantar, ela não só havia previsto o acontecimento, como os advertiu claramente, no entanto foi desacreditada em absoluto por Westmoreland.

Os dois se encaminharam para a sala de reuniões da residência do mestre. Há poucas horas tinha sido constatado o desaparecimento de Delphine e Westmoreland tinha praticamente surtado, todavia não havia mão de obra suficiente para inciar uma busca de imediato, em razão do excessivo número de perdas na Comunidade. Foram necessários não mais que 20 minutos para os vassalos começarem a chegar. O número de homens era notavelmente bem inferior ao do último encontro realizado ali, reduzido a metade possivelmente. Os homens foram se acomodando com semblantes abatidos, ainda trajando as roupas do momento do incidente, alguns até mesmo com ferimentos.

— Mestre, acho inoportuna essa reunião. Temos demandas mais urgentes nos esperando. Familiares e amigos com risco de morte nesse momento necessitam da nossa ajuda. — um dos homens sentado nas laterais da mesa ousou dizer antes mesmo da palavra inicial do mestre.

— Meus amigos, estou tão abalado quanto todos vocês.— Westmoreland iniciou sua fala ficando de pé na extremidade da mesa. — Quero lembrar a cada um presente aqui que perdi toda a minha família nesse desastre. TODA ela. — fez questão de frisar — E se os convoquei é exatamente para norteá-los sobre o que faremos daqui por diante. Primeiro de tudo e mais importante, não tiraremos ninguém da Comunidade. — murmúrios insatisfeitos se fizeram audíveis. — colocaríamos o segredo dos Proletheans em risco e eu não vou arriscar o que meus ancestrais defenderam por séculos.

— Perderemos muitas vidas então, mestre! — bradou outro vassalo.

Aldous apesar de comungar dos mesmos pensamentos, não questionava o mestre em público.

— Tenham calma meus amigos. Eu recebi uma mensagem do Celestial em minhas preces. Fui encaminhado a algumas passagens do nosso livro sagrado que compartilharei. Sabia que Ele não me desampararia, tampouco aos senhores. A primeira passagem dizia o seguinte: "Aqueles que andam retamente entrarão na paz; acharão descanso na morte." A revelação está clara. Não devemos temer senhores. Focaremos os esforços nos pacientes que têm mais chances de sobrevivência. Nos demais autorizem a ministração de eutanásias. A missão deles já foi cumprida aqui. — ouvindo aquelas palavras, os homens não mais questionaram seu mestre. — Quando achei que havia sido suficiente, o Pai Celestial me encaminhara outra mensagem e ela dizia: "Então esse desejo, tendo concebido, dá à luz o pecado, e o pecado, após ser consumado, gera a morte". Senhores o pecado de um gerou a morte de inúmeros. O pecado hoje tem nome e o nome dele está marcado em minha esposa Delphine. Ela está desaparecida e não mediremos esforços até localizá-la. O sacrifício dela trará de volta a prosperidade à nossa Comunidade.

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