Há momentos em que não sinto nada, em que não tenho forças nem para pensar no que está acontecendo. Mas há outros em que sou atingida por muitos sentimentos ao mesmo tempo.
E nunca, em nenhum outro momento da minha vida, eu me senti tão sozinha.
Meus olhos se enchem de lágrimas de novo e respiro fundo algumas vezes, mas não consigo controlar os pensamentos, muito menos a dor que estou sentindo.
Minha mãe queria que eu ficasse com o Lucas e a família dele, e agora todo o esforço dela parece ter sido em vão.
Quando a doença avançou e ela tinha certeza que não iria se recuperar, saber que ele estaria do meu lado me protegendo e cuidando de mim era o único pensamento que a acalmava.
E então percebo que a história se repetiu.
Minha mãe não me deu escolha.
Lucas também não.
Mas de repente a imagem dela e do meu pai sorrindo surge na minha cabeça. Eles iriam querer isso, iriam querer me ver curada também.
E por mais que doa, eu sei que essa foi a forma que o Lucas encontrou de cuidar de mim.
Sinto um nó se formando na minha garganta mais uma vez e, antes que volte a desabar, passo mais um pouco de água no rosto e volto para o meu lugar, onde me deparo com uma bandeja com comida em cima da mesa.
Ignoro os pães e bolos. Apenas coloco água quente em uma xícara e abro a caixa com sachês de chá. Há tantos sabores que desisto de escolher e apenas tiro qualquer um a sorte.
Maçã e canela.
Seguro a xícara com as duas mãos até perceber que não preciso aquecê-las. Mas mesmo que a temperatura ambiente esteja agradável, continua sendo boa a sensação do líquido descendo quente pela minha garganta.
Depois de alguns minutos, alguns empregados retiram a comida da mesa e perguntam se preciso de alguma coisa. Peço apenas para desligarem a luz, encosto-me no assento e inclino minha cabeça para a janela.
Mas é impossível ver alguma coisa a esta velocidade e nesta escuridão. Além disso, também sei que não há muito para ver além de cidades em ruínas e florestas. E mesmo que este trem atravesse algum povoamento, isso seria feito por ferrovias subterrâneas.
No entanto, entre os Setores e a Matriz, há uma extensão de terra habitada conhecida como Fronteira, e todos os trens obrigatoriamente passam por lá.
A Matriz tentou muitas vezes acabar com este lugar, mas, depois de um tempo, desistiu.
Afinal, sempre haverá pessoas que não se encaixam nos Setores, e este submundo parece perfeito para elas. A Matriz continua oferecendo o antídoto e controlando-as, mas há um pouco mais de liberdade para quem quiser arriscar viver em um ambiente hostil.
Até onde sei, é um lugar sem leis, com prostituição, tráfico de drogas e contrabando, sustentado pelos corruptos da Matriz.
Também dizem que todos os líderes das facções criminosas de Gaia vivem na Fronteira. São mercenários que lutam contra o sistema e entre eles mesmos, mas ninguém sabe até que ponto isso é real.
Talvez seja apenas mais uma jogada do Rei para dar a esperança de que algo pode mudar, de que o povo tem a Resistência e as Facções e que uma revolução está sendo preparada. Assim, ninguém vai tentar criar outro movimento, e a Monarquia continuaria impune, uma vez que esses grupos simplesmente não existem ou não têm força suficiente para fazer alguma mudança.
E, por fim, tudo continuaria igual.
Ouvi falar de muitos cidadãos desesperados que recorreram à Fronteira para tentar encontrar tratamento para parentes ou amigos e voltaram, muitas vezes, de mãos e bolsos vazios.
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A Resistência | À Beira do Caos (Livro 1)
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