Capítulo lV

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O telefone toca. 

Olho o número no identificador de chamadas e, mesmo contra vontade, atendo.

- Oi Celine - faço o máximo de esforço para parecer animada.

- Oi Grace, como você está? 

- Digamos que... razoavelmente bem, e você? 

- Bem. Deixa eu te falar, quero sair para comer alguma coisa, estou com preguiça de cozinhar. O que você acha de ir? 

- Hmm, pode ser. Agora? 

- Isso. Talvez podemos ir no shopping, mas de qualquer forma não demora, pelo amor de Deus. Você sabe como sou quando estou com fome - Paro para refletir por um instante, e realmente, ela vira outra pessoa - Me pega aqui, por favor?

- Ok, Vou pegar as coisas da aula da Hannah e já saio. Depois irei direto para casa dela.

- Até mais então.

- Até.

Não sou nenhum exemplo de organização. Nunca sei onde deixo meu celular, minhas chaves ou minha carteira. Quer dizer, minha carteira está sempre na bolsa. A questão é que eu nunca sei onde ela está. Pendurada na cadeira da cozinha? Jogada em cima da cama? No banco do carona do meu carro? Na casa de algum aluno? Não sei. Só sei que tenho tido a meta de melhorar nisso, mas sem sucesso até o momento.

Minha mãe sempre me disse que eu perderia amigos por ser desorganizada. 

Ela tinha razão. 

Poderia levar uns 20 minutos para me arrumar, mas a preguiça fala mais alto, então apenas troco de roupa. Por sorte, achei minha bolsa rápido hoje.

 Meu prédio não é nenhum exemplo de agitação, nem de equilíbrio etário. Os moradores ou são casais idosos ou casais muito jovens que trabalham 12h por dia pra poder comprar um apartamento maior. Exceto a Clair. A vizinha simpática do segundo andar que cria seus dois filhos sozinha. Porém, ouço risadas ofegantes, que não parecem ser de um de meus vizinhos, definitivamente.

 Vejo subir um rapaz alto, branco,  com o cabelo um pouco comprido, bem pretinho e bagunçado. Não, não é  a pessoa mais bonita que já vi, mas é uma pessoa diferente. Seus olhos grandes me chamam a atenção. Sim, ele está rindo, sozinho. E sim, isso é estranho.

Embora meu prédio seja razoavelmente grande, os corredores não são proporcionais. São estreitos o suficiente para eu precisar me espremer na parede para esse alguém com caixas possa passar.

- Bom dia, vizinha - ele diz, com o sotaque mais engraçado possível.

Apenas sorrio e aceno com a cabeça. E ele fica parado ali, me observando, esperando que eu responda algo, o que realmente era o certo a fazer. 

- Oi. Tudo bem?

- Hmm...  logo estará melhor, quando eu colocar as coisas no lugar. 

- Concordo que mudanças não são muito agradáveis. Chatas até, dependendo do ponto de vista. 

- Nem me fale. E o pior é que ainda não me entregaram o controle do portão da garagem. E eu só consegui estacionar meu carro a dois quarteirões daqui, então estou passeando pela rua com caixas.

Percebo que esse ser parado a minha frente tem um sorriso bonito, já que ele não para de sorrir nem um minuto sequer. Seus olhos ficam levemente puxados quando ele sorri, e isso chama minha atenção.

- Eu posso abrir pra você, se quiser. 

 Fico me perguntando porque estou ajudando esse estranho. Talvez porque eu queria ouvir esse sotaque engraçado por mais tempo. 

Descemos as escadas com as típicas conversas de pessoas que acabaram de se conhecer. "Está gostando da cidade?", "Tem família aqui?". Mas estranhamente, apenas quando chegamos ao carro dele, que de fato estava a dois quarteirões do prédio, ele me pergunta:

- Qual é seu nome? 

- Grace - respondo, mas não retorno a pergunta. 

- Bom, Grace. Eu me chamo Virklich - ele continua.

- Sério? - me espanto. Afinal, quem se chama Virklich?

- Não. Meu nome é Michael - diz ele, rindo. 

Michael. Um bom nome pra um animalzinho de estimação, mas ainda assim um nome forte.

- Hmm... Esse nome passa a ideia de alguém importante.

- E eu sou muito importante, Grace. Ao menos para minha mãe!

Sorrio. 10 minutos são suficientes para perceber que Michael tem um ótimo senso de humor. Ele aparenta ter uns 25 anos, mas ri como um garoto de 15.

- Por falar nisso, sua família também virá?

- Não, meus pais moram longe daqui. Quero tentar algo novo, numa cidade um pouco menor. 

- Que tipo de coisa nova? Um novo trabalho? 

- Não, Grace... Novos objetivos de vida e personalidade. 

Fico me perguntando se isso é de fato possível, e nesse momento ele pareceu ler minha mente.

- E você sabe, isso é possível. Pessoas mudam muito, algumas para melhor, outras para pior - desse ponto de vista começa a fazer sentido  - Eu quero mudar pra melhor. Criar novos hábitos, quero um rumo diferente. 

Geralmente, as pessoas que falam de mudanças usam expressões que mostram que elas não estão contentes com a situação. Michael tem um certo brilho no olhar que passa a impressão que ele simplesmente está apaixonado com as 'mudanças' que ele tem feito, e que ele já deve ter feito isso várias e várias vezes. Interessante.

Objetivo cumprido. Abro o portão da garagem do prédio, e só então me dou conta do quanto estou atrasada.

Me despeço dele de uma maneira muito curta pra quem ficou alguns longos minutos conversando. Me sinto envergonhada e arrependida por isso, mas talvez o simples fato de eu estar atrasada justifique essa ação.

Se as estrelas falassem (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora