O alto e estridente som de uma buzina é o suficiente para me despertar de um sono profundo.
10:18h.
Apesar de já ser quase dez e meia, o interior do quarto permanece escuro, do jeito que gosto. Por anos testei diferentes cortinas, venezianas ou persianas, até achar uma combinação que conseguisse de fato impedir a entrada do sol. Mesmo os raios solares de Seattle não sendo tão implacáveis, atravessam até mesmo a menor fresta.
Sento-me em minha cama king size. Alguns dizem que uma cama tão grande para uma só pessoa é um desperdício, mas esse espaço de sobra é muito bem vindo para mim. A televisão, um aparelho de segunda mão que ganhei de uma tia quando ela enfim reformou seu apartamento, ainda está ligada, em um volume baixo. As imagens são apenas um borrão confuso para mim.
Pego uma muda de roupa em meu armário e cambaleio em direção ao banheiro. O ambiente não tem proteção contra o sol. A claridade me atinge em cheio, e pisco os olhos freneticamente para me adaptar. Me olho no espelho, e percebo que poderia muito bem ter assustado alguém que me visse. O cabelo está semelhante a um ninho, e a pele, amassada. Inclino-me na pia, e a água gelada da torneira me causa calafrios.
Um protesto vindo de minha barriga me lembra que não como nada desde a tarde de ontem.
Caminho de volta ao quarto e abro a pequena janela. Uma lufada de ar percorre o ambiente, deixando-o subitamente mais frio. O sol reflete timidamente nos altos prédios à frente, como num dia típico de outono. Alguns poucos carros se movem apressadamente pela Cherry St.
Arrumo minha cama e minha barriga protesta novamente. Vou em direção à minha pequena cozinha. Com exceção do quarto principal, todo o resto do apartamento parece ser pequeno demais. Pergunto-me como famílias de quatro pessoas viviam ali. Abro minha geladeira e percebo que preciso fazer compras urgentemente. Apenas meia-dúzia de ovos, um pedaço de bacon e uma garrafa de leite ocupa o amplo espaço disponível.
Pego apenas 2 ovos e o bacon para preparar meu café da manhã. Deixo a panela antiaderente esquentando enquanto bato os ovos. Adiciono sal e outros temperos que sequer sei o nome e jogo na panela. O cheiro faz minha barriga roncar ainda mais alto. Considero tardiamente a possibilidade de ter feito panquecas, porém imediatamente me lembro do desastre ocorrido na última vez que tentara. Minhas habilidades culinárias se resumiam ao básico para sobrevivência.
Em poucos minutos começo a ler o meu jornal diário semanal, The Seattle Times. Nada surpreendente.
Lavo a louça, organizo a cozinha, e faço uma faxina geral nos meus armários. De repente o celular toca. Olho para o aparelho e o nome de Celine pisca na tela.
A atendo no segundo toque.
- Fiquei com o Adam – grita ela entusiasticamente, fazendo meus tímpanos vibrarem de uma forma não saudável.
- Sério? – digo, encarando minhas mãos.
- Ontem a noite ele veio ao meu apartamento para consertar um cano que tinha estourado, daí começamos a conversar, e você sabe, uma coisa leva a outra, não é?
Adam é gerente de um banco, mas sua vida nem sempre foi confortável como hoje. Nasceu em um lar de classe baixa e, para ajudar seus pais, começou a realizar trabalhos manuais ainda na adolescência. Era como um conserta-tudo. Foi onde ganhou experiência.
- É o que dizem – faço o máximo para parecer mais animada do que realmente estava.
- E foi bom. Muito, muito bom. Sab...
- Poupe-me dos detalhes, por favor – corto-a no meio da frase.
- Justo agora que estava chegando à parte interessante! – ela solta uma risada quase histérica.
Me pego sorrindo também. Era bom ver Celine se divertindo. Havia terminado um relacionamento longo recentemente, e tinha ficado realmente abalada com isso. Talvez o Adam, de certa forma, a fizesse esquecer-se do passado, ao menos parcialmente.
- E sua mãe, como está? – sua voz assume um tom preocupado, cauteloso.
- Do mesmo jeito – faço uma breve pausa – Me ligaram da casa de repouso ontem. O Alzheimer está piorando gradativamente. Desde que papai se foi, ela teve poucos momentos de lucidez. Não há muito que fazer.
Termino a frase com um tom melancólico.
- Ah Grace... É uma situação complicada – ela pigarreou do outro lado da linha, como se procurasse as palavras certas para continuar. Meus olhos já estavam levemente úmidos – Admiro sua força. Não sei se conseguiria lidar com tudo isso sozinha. Imagino que não seja fácil.
- Não é mesmo. Obrigada – minha voz sai como um leve sussurro.
- Qualquer coisa me ligue, está bem? Sempre que precisar estarei aqui.
Mesmo sabendo que Celine não poderia me ajudar – ninguém podia -, havia algo reconfortante em suas palavras.
- Ligo sim. Obrigada, de novo.
- Apenas retribuindo favores Grace, apenas retribuindo – Celine suspira ruidosamente – Preciso ir. Meu turno começa ao 12h00. Vai dar aulas para alguém hoje?
- Hoje – me esforço para lembrar – Sim, a Hannah. Aquela que joga no time de lacrosse, te falei semana passada – especifico.
- Lembro-me dela, a ruiva. Bom, boa aula então. Amanhã te ligo. Tchau.
Posso ouvir o estalo que seus lábios fazem quando ela me manda beijos.
- Tchau Celine – repito seu ato e desligo o telefone.
A situação em que me encontro é delicada. Após meu pai perder a vida em um acidente de carro, a 5 anos atrás, minha mãe ficou com a saúde mental muito abalada. Tomando muitos remédios fortíssimos, começou a desenvolver problemas precocemente como o mal de Alzheimer. Foi difícil quando recebemos o diagnóstico. Foi mais difícil ainda ter de interna-la numa clinica de repouso. E é difícil saber que nada vai melhorar.
Não querendo ser pessimista, mas essa é a realidade agora.
Abandono meus pensamentos e começo a arrumar as coisas para ir para a casa da Hannah.
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Se as estrelas falassem (Em Revisão)
RomansaNossa vida é marcada por perdas e ganhos. A única coisa que não podemos fazer é deixar o passado dominar nosso futuro, e sim viver o hoje. Acompanhe Grace, uma jovem de 21 anos, em um romance que surge inesperadamente em um momento difícil de sua vi...