Ethan Denbrook acordou quando o veículo deu um solavanco.
Com um olhar sonolento, ele se arrastou pelo banco, e inclinou-se até a janela. Afastando a pequena cortina de veludo verde que a cobria, tentou ver por qual lugar estava passando naquele momento. Seus olhos foram impelidos a se fecharem abruptamente assim que os feixes de luz do sol dissiparam a escuridão convidativa da carruagem, irritando sua visão. Ele precisou de alguns segundos para se acostumar com a claridade. Quando finalmente estava por completo desperto, tentou novamente ver onde estava.
Não conhecia muito bem aquelas estradas, mas, de acordo com o seu relógio de bolso, faltava pouco mais de um terço de hora para chegar ao seu destino. Vinte e quatro minutos precisamente.
Não que ele estivesse com pressa, em todo caso. Apenas gostava da exatidão que os números proporcionavam.
Recostando-se de volta no assento, ele encarou o teto sobre sua cabeça. Ainda não conseguia entender porque permitira que sua mãe o convencesse a fazer aquela viagem. Seu primeiro instinto fora recusar o pedido. Ethan tinha negócios em Londres que requeriam sua atenção. Estavam prestes a terminar a construção de sua nova propriedade. Um lar que seria seu. Não por herança, ou por transmissão de um título. Apenas seu. Algo conquistado com seu próprio esforço.
Ele parou um instante para pensar na obviedade da situação. Não restava dúvidas que sua mãe o arrastara para Gloucestershire com um propósito específico em mente. Logo que recebera sua visita inesperada na semana anterior, e ela manifestara o desejo que o seu único filho - e a condessa fizera questão de ressaltar tal fato - os acompanhassem em uma visita à propriedade dos Cranes, Ethan sabia das intenções casamenteiras de Rebecca Denbrook, a mulher que lhe dera a vida. E provavelmente, aquelas eram as intenções de Isabella Crane também. Então por que não recusara se tinha conhecimento do que lhe esperava?
Casar-se não era sua prioridade desde a última vez em que examinara a própria consciência. No entanto, ali estava ele, naquela estrada de condições repudiáveis, indo em direção à uma armadilha comumente detectável por homens como ele, com título e fortuna.
Ele estava facilitando o jogo.
Talvez porque fosse sobremaneira cansativo adiar o inevitável. Um dia seria imprescindível se casar, queria ter a própria família. Uma bem grande, preferivelmente. Ele não havia gostado de ter crescido sem irmãos, tendo que suportar excruciantes horas de silêncio. Preferia ter tido uma casa cheia e barulhenta, assim como era os verãos que passava em Kent, na companhia da família Bridgerton. Uma casa vazia de presença humana era uma casa sem vida.
Quem sabe fosse exatamente por isso. Ethan trabalhara duro, o que ninguém mais de sua posição costumava fazer, para construir uma casa do jeito que planejara. Nunca viu beleza naquelas construções extravagantes, verdadeiros mausoléus arcaicos. Tinha a propriedade dos sonhos, mas a casa era grande em excesso para que ele habitasse ali sozinho. Ele precisaria de uma esposa que lhe desse filhos.
Qualquer uma serviria, desde que fosse fértil.
Portanto, poderia muito bem ser Agatha Crane a escolhida.
Ela era bonita. Eles já se conheciam. Por um longo tempo ele a considerou uma querida amiga. Em alguns momentos seu corpo até chegara a manifestar desejo por ela.
Lorde Denbrook tinha vinte e sete anos e precisava de uma esposa.
Ela tinha... Em poucos segundos Ethan calculou. Agatha estava com vinte e dois anos. Decerto, um marido, podia-se deduzir, a agradaria muitíssimo.
Na mente dele, aquela era uma equação de simples resolução.****
- Você sabe que não poderá se esconder aqui para sempre, creio eu.
Benedict Bridgerton, seu tio, dava os últimos toques em sua mais nova criação, enquanto Agatha o auxiliava com as tintas. Ela sempre adorara artes, e embora não tivesse o dom admirável de seu tio, que era um artista de notável talento, ela vinha aperfeiçoando seus desenhos.
- Que indelicado de sua parte mencionar isso, quando, na verdade,
o que eu estou fazendo aqui é apenas uma visita cordial. - ela respondeu, mantendo o semblante tranquilo.
O homem prendeu o riso.
- Isso é realmente interessante- ele observou, colocando o pincel sobre a mesa e virando-se para ela. - Tendo em conta que eu recebi uma mensagem de sua mãe informando-me que eu estou terminantemente proibido de lhe oferecer abrigo. E que se você aparecesse aqui, eu deveria mandá-la embora, para receber suas visitas.
As bochechas da jovem coraram. Uma coisa era ser uma covarde e procurar fugir da própria casa. Outra inteiramente diferente era as pessoas perceberem isso.
- Eu não preciso de abrigo, tio. - retrucou com ar de dignidade. - Eu vim aqui para visitá-los apenas. Mas pretendo ir embora.
Daqui a alguns meses, ela quis acrescentar para si mesma. Benedict cruzou os braços na altura do peito, e a encarou com uma expressão preocupada.
- Escute, Agatha. Você pode ficar aqui se desejar...
Oh, não. Seu tio a olhava com aquele semblante piedoso que a fazia se sentir tão diminuída quanto uma formiga. Sabia que aquele era um gesto de amor e cuidado. Mas não podia aceitar. Não sem parecer uma fraca.
- Obrigada, tio. No entanto, não há nenhuma necessidade que me hospede. - ela fez uma pausa, pensando em algo. - Minha mãe e eu tivemos uma pequena discussão. E o senhor conhece a predisposição dela para exageros.
Ele soltou os braços, e sua postura imediatamente pareceu mais relaxada.
- Bem, de todo modo, a oferta permanece de pé. Se você não gosta deste homem. Não vejo porque seus pais concordaram em recebê-lo. - quando viu que ela não diria nada, acrescentou: - Se ele a tratar de maneira grosseira, me avise.
Agatha abriu um sorriso. Amava seu tio.
- Eu prometo que farei.
- Se ele olhar mais demoradamente que o comum para você - Benedict continuou, sério. - Avise-me também.
- Sim, tio.
- No sinal de qualquer liberdade que seja...
- Eu devo avisá-lo, entendi.
Ele soltou o ar lentamente.
- Exatamente. Boa menina.
Ela segurou o riso, vendo a testa franzida dele.
- Não imagino como minha prima Violet conseguiu casar, tendo o senhor como pai.
Ele bufou.
- Se eu me lembro, ela esqueceu de me avisar algumas coisas importantes durante sua primeira temporada.
Agatha riu. Sua prima protagonizara um escândalo anos atrás, quando foi pega beijando um cavalheiro no jardim de Lady Rockingham. Por sorte, eles estavam apaixonados e terminara tudo bem. Contudo, seu tio Benedict passara a ser mais protetor e cauteloso desde então.
Ela se aproximou, compadecendo-se dele. Não queria que ele se preocupasse por ela. Se não tivesse a certeza que ele a encheria de perguntas, ela anunciaria com todas as letras que Ethan era o último homem que teria sequer liberdade de segurar a sua mão. Até mesmo pisar em sua sombra lhe seria privado.
- Não se aflija, tio Benedict. - ela tocou-lhe o braço, em um gesto consolador - A estadia de lorde Denbrook aqui será mais curta do que você imagina.
Então ela sorriu. E aquele sorriso fez o estômago do Sr. Bridgerton se contorcer, desagradavelmente. Algo estava errado.
- Agora, se me der licença, eu tenho visitas à minha espera.
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Como enlouquecer um conde
FanfictionAgatha Crane vive uma pacata e feliz vida no campo, até que um dia uma visita inesperada e inoportuna ameaça pôr fim à sua tranquilidade. Desesperada, a jovem impetuosa fará o que estiver ao seu alcance para afastar um certo hóspede indesejado, mete...