Capítulo 7

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"Você me concederá sua primeira dança em seu baile de debute?..."

(Carta escrita por Ethan Denbrook, no natal de 1866. Correspondência entregue.)

"Acabo de escrever seu nome no meu cartão de baile. Não importa que ainda falte um pouco mais de um ano para minha estreia na sociedade. Nosso compromisso está firmado. Mas devo-lhe confessar que eu preferiria valsar com você..."

(Carta escrita por Agatha Crane, em janeiro de 1867. Correspondência entregue.)

"Minha preciosa Agatha,

Eu me sentiria honrado em valsar com a jovem mais bela de toda a temporada. Com quantos homens terei que disputar sua atenção? Certamente serão muitos..."

(Carta escrita por Ethan Denbrook, em março de 1887. Correspondência entregue).

Devia haver um limite, um número específico de vezes, para que eventos catastróficos atingissem uma mesma pessoa em um período tão breve de tempo. Ethan não era um homem supersticioso, não acreditava no azar, ou na interferência do destino. Na verdade, ele apoiava-se na lógica mais do que nas próprias pernas. Se a história dos percevejos houvesse ocorrido isoladamente não teria levantando suspeitas, afinal, estavam no campo. No entanto, houve também o episódio do uísque misteriosamente temperado com pimenta, os sons assombrosos que ouvia durante a noite, como correntes se arrastando e uivos sombrios, e, para completar, antes que o dia sequer nascesse aquele som odioso de violoncelo ameaçava lhe causar sequelas aos tímpanos. E, claro, a sua queda no lago. Se o acidente no lago fora ou não proposital, ele não poderia provar. Mas houve algo na expressão de Agatha naquele momento, escondido sob o véu de lágrimas que ela derramava enquanto lhe pedia desculpas e jurava que tropeçara por acidente. Foi um tênue movimento em seus lábios, que apesar de ninguém ter percebido, ele podia jurar que por dentro ela sorria. Aquilo fez seu sangue ferver, o que para alguém como ele era impensável. Ela o estava tirando do sério.

Ethan passou um tempo fora da casa depois que todos voltaram do passeio até o lago. Andou despreocupadamente por um caminho estreito, ladeado por sebes frondosas, que o fizeram lembrar dos corredores de um labirinto. Ele não ficou surpreso ao chegar no fim daquela rota e encontrar um belo jardim, com as mais diversas espécies e cores de flores. O sol, que havia estado resplandecente durante todo o dia, parecia tocar em cada pétala ali. Tudo era luminoso. O magnífico lugar quase o fez esquecer das afrontas que vinha padecendo. Quase.

Era tudo confuso demais para ele. Agatha não agia como era esperado. Devia estar agradecida por ele ter aceito ir lhe visitar. Sendo extremamente sincero, ele não acreditava que ela fosse capaz de conseguir uma aliança melhor do que o condado Tilghman. Não com aqueles modos. Muito embora ela se portasse em sua presença como tola, que era incapaz de conduzir uma conversa estimulante. A expressão nos olhos dela revelavam o quão astuta era.
Mas, por quê?
O que ela ganharia com aquilo?
- Você está invadindo um jardim privado, milorde.
Ethan virou-se a tempo de ver Agatha desenlaçar a fita que prendia o chapéu que levava. O sol novamente fez o seu trabalho. A luz refletida nos fios rubros da jovem destacava a cor mais linda que ele já vira em seus vinte e sete anos. Não era simplesmente vermelho. Tampouco um tom alaranjado estranho. Era uma cor extremamente peculiar, que só existia em Agatha Crane. Aquela cor era dela, lhe pertencia.

Ele era consciente que não devia desejar algo único. Não podia abrir mão do domínio sobre seus anseios.
Podia desejar uma esposa.
Desde que não tivesse a necessidade de querer uma em específico.
Podia desejar cor em sua vida.
Desde que não tivesse que ser exatamente o tom que cobria a cabeça daquela ruivinha irritante.

- Asseguro-lhe que seu pai não se incomodará por eu estar num lugar que é de sua propriedade.
Os olhares deles colidiram e Ethan percebeu que naquele instante não havia máscara. Estava diante da verdadeira Agatha. Vê-la na sua essência foi tentador demais para ele, fazendo que se esquecesse que estava a sós com uma dama, sem que houvesse entre eles qualquer grau de parentesco.
- É uma verdadeira lástima que esse pedaço de terra seja de minha propriedade, e não de meu pai. E este seja o meu jardim secreto.
Ele simplesmente continuou a encará-la. De fato, tudo naquela terra pertencia ao Sr. Crane, mas ele não iria discutir.
- Para um jardim secreto esse lugar é bem simples de achar. - ele comentou, dando as costas para a jovem, e continuando a observar a natureza que os rodeavam. - Seu pai não deveria ter criado uma trilha de cascalhos, ladeadas por sebes se vocês desejavam que este jardim permanecesse oculto. E a localização dele está erroneamente próximo da propriedade para ser considerado um refúgio isolado.
- Eu projetei e plantei tudo que está ao seu redor, e não meu pai. - Agatha o corrigiu. Sua voz saiu ligeiramente exasperada. - E, a despeito da sua opinião, eu gosto daqui exatamente como é.

Ou exatamente como era antes dele chegar, ela desejou acrescentar, para que não restasse dúvida que ela não o queria ali. Podia suportá-lo à mesa, partilhando juntos todas as refeições. Era capaz de ignorar o fato deles se encontrarem com frequência pelos corredores, ou na biblioteca. Contudo, não podia permitir que ele entrasse ali. Os homens tinham seus escritórios, seus clubes. Algumas jovens refugiavam-se em suas salas de descanso. Já Agatha tinha aquele jardim. O seu coração em forma de flores. Cada carta que recebera de Ethan estava ali, metamorfoseada em rosas, lírios, gardênias.

- Se você deseja que eu me retire, o farei agora mesmo. - informou Ethan, com um semblante impassível.

Agatha prendeu a respiração, para que ele não notasse o quanto estava desnorteada com a invasão dele em seu santuário. Não podia pôr em risco seus planos.

- De forma alguma, Ethan. Você é bem vindo aqui e onde mais quiser ir. - os seus lábios se curvaram em um sorriso, e foi uma das coisas mais difíceis que ela já fez na vida. - Fique o quanto desejar. Espero que aproveite o aroma das flores.

Foi interessante para ele ver o olhar dela se apagar como a chama de uma vela exposta ao vento, enquanto olhava ao redor. Com um suspiro longo, ela girou o corpo em direção à entrada do jardim. Não saberia explicar o motivo, mas ele sentiu-se um intruso, como se sua presença contaminasse um local sagrado. Reprimiu o impulso de olhar para o lado, e se certificar que as flores não estavam murchando e morrendo por sua causa. Foi uma sensação indigesta, até mesmo para ele, que não deveria se preocupar com os sentimentos de Agatha Crane depois de tudo o que ela aprontara.
Ele deveria continuar ali apenas para irritá-la, mas não o fez.
Os seus passos seguiram os dela, se mantendo a uma distância segura.
- Você fez um excelente trabalho com este lugar. É um dos jardins mais bem cuidados em que eu já estive. - Ethan foi surpreendido pelo próprio tom de voz, que tentava consolar Agatha.

Ela o ouviu. Não tinha como ser diferente, ele estava a poucos centímetros atrás dela. Mesmo assim ela apertou os lábios, formando uma linha fina, negando-se a agradecê-lo pelo elogio. Ethan acabara de destruir o jardim no qual ela trabalhou anos para construir. Agora toda a vez que fosse até ali se lembraria dele. Oh... E aquele era o único lugar no mundo em que ela conseguia esquecê-lo.

Como enlouquecer um condeOnde histórias criam vida. Descubra agora