Capítulo 20

8.3K 905 40
                                    

A senhora Crane não exagerou em opinião acerca do talento para dança dos homens do campo.

Ethan olhava o par desengonçado executar uma quadrilha. O homem rodopiava para o lado errado e acabava sempre esbarrando em alguém. Aparentemente,  a carência de refinamento entre os presentes era comemorado como um virtude única e desejável. Todos riam e zombavam uns dos outros. Era a segunda dança da noite e ele ainda não tivera o desejo de dançar. Não lhe passou despercebido os olhares que algumas das jovens  lançavam em sua direção, uma mistura de desespero e esperança. Um dança era, muitas das vezes, a única oportunidade que uma jovem possuía de conquistar a afeição de um bom partido. Entretanto, para desalento de todas, o homem não estava inclinado a dançar com nenhuma senhorita naquela noite.

Mentira.

Sua mente o acusou enquanto seus olhos instintivamente correram atrás da imagem de Agatha no salão. Ela estava a alguns metros dele, conversando sua prima Violet e o tio. O senhor Benedict  Bridgerton acabara de dizer-lhes algo que as fez rir. De onde estava, e com a música vibrando no ambiente, era impossível que ele escutasse a risada de Agatha.  Mas, a sua memória de algum modo misterioso e inexplicável recriou em sua mente a o som melodioso e provocante, uma explosão de extremo contentamento, que mesmo não passando de uma ilusão, fez com que o seu corpo reagisse em lugares inapropriados. Maldição. O que estava acontecendo com ele? Havia se passado quase uma hora de baile, e nesse período, Ethan pouco fez além de cumprimento alguns convidados e ficar observando  a mulher ruiva, de formas volumosas e boca sensual, transitar entre seus vizinhos e amigos. Ela não desperdiçou um único segundo olhando para ele.

Nem um milésimo de segundo, ele percebera com amargura.

Que mulher mais teimosa! Desde a última vez que conversaram, na biblioteca, ele entendera que Agatha guardava mágoa. A culpa era dele, claramente. Mas ele havia tentando durante toda a semana introduzir o assunto, explicar-lhe seus motivos, e ela simplesmente o ignorara deliberadamente. Ele não estava acostumado com esse tipo de tratamento. E para ser bem sincero, doía mais do que ele presumira. Ele estava mais do que dispostos a dançar toda a noite apenas com ela, se fosse preciso para conseguir o seu perdão. Inferno. Não era por perdão. Era porque ele a desejava em seus braços, para mimá-la com a reverência de seu toque. Contra-dança, valsa, quadrilha, minueto... Ele queria tudo. E pouco lhe importaria se o comportamento fosse considerado escandaloso pelos demais.

Oh, isso lhe preocupava. A maneira como ele descartava prontamente o ditame social por causa dela. Desde que chegara se colocara em diversas situações comprometedoras, que se testemunhadas por alguém, ensejariam um pedido de casamento sumário, sucedido de uma  licença especial.

E, por Deus, ele não consideraria aquilo um solução indesejável.

- Ela está estonteante, não concorda.  -  Disse senhora Crane, surpreendendo-o. Ela seguira o seu olhar até o outro lado do salão, onde a filha estava.

Ele desviou o olhar.

- Não há outra senhorita que a equipare em beleza e graça neste salão. - ele comentou. Em parte por educação, e em parte porque era verdade.

A mulher deixou escapar um som agudo dos lábios, como um gritinho. Ele nunca ouvira antes nos lábios de Isabella, todavia, pelo sorriso que estampava o seu rosto, não restava dúvidas que a resposta a agradara.

- É muita gentileza sua.  - Ela disse depois de recuperar-se a contida onda de euforia.

Ele correspondeu ao sorriso, e logo introduziu uma conversa amigável coma Senhora Crane a respeito da família. Fazia muito anos desde que Ethan vira a grande família Bridgerton reunida em sua maioria. Na última vez... Ele fez um esforço para recordar-se. As lembranças eram sempre bem-vindas quando se referiam aos Bridgertons. Provavelmente, tenha sido em Kent, a última vez que pôde desfrutar de grande parte dos membros da família. Ethan sempre admirara o visconde. Quando criança ele desejou tornar-se um homem semelhante a Anthony Bridgerton, centrado e responsável, e ao mesmo tempo, divertido e carismático. Ele levaria esse anseio com ele para o túmulo, pois seu pai não se alegraria, seguramente, em ver seu único herdeiro espelhando-se um homem que não fosse si  próprio. Fora isso, Ethan já havia crescido o suficiente, e, exceto a educação refinada, ele não tinha nada parecido com Anthony. 

- Eu estava esperando que você tirar minha filha para dançar. - O comentário direto arrancou Ethan dos seus pensamentos.

Ele a fitou por um instante, ganhando tempo para pensar em uma resposta. Não poderia simplesmente dizer que a filha dela o havia proibido. Era humilhante. Além disso, a Senhora Crane o sufocaria com questionamentos típicos de uma mãe preocupada e curiosa.

- Acho que não irei dançar hoje, senhora.  - Foi a estúpida que ele conseguiu pensar.

Ela não o contradisse, graças a Deus. Continuaram a conversa sobre a estufa primorosa dos Crane's. Em determinado momento, ele viu que Agatha se afastou dos convidados e foi em direção as portas que levavam para a ala privativa da família. Onde ela estava indo?

- Aposto um xelim que ela foi até o quarto da bisá tecer relatos exagerados sobre o baile. Ela sempre inventa que alguém caiu dançando, ou que um copo de limonada foi derrubado, causando desmaios e alvoroços. Lady D. adora tais invenções.

Um sorriso sincero brotou-lhe no rosto ao imaginar as histórias que Agatha estava inventando naquele exato momento. Algo que o envolvia ele e uma situação vexatória, ele apostava.

Ele estava distraído quando a voz de Isabella Crane rompeu o silêncio absorto de sua mente.

- Elliot! Você veio!

No mesmo instante, quase simultaneamente,  Ethan virou-se e fitou o homem que atravessa as portas do salão. A mão de Agatha repousando na dobra do seu braço.

Aquela noite seria longa.


Agatha o notara alguns segundos antes dele entrar no salão. Era uma sensação difícil de explicar. Em um momento ela estava elogiando sua amiga Catherina pelo belíssimo colar que adornava seu pescoço, e então, de repente, um arrepio subiu por toda extensão de sua coluna e ela sentiu seu coração pulsar. As batidas martelando em seus ouvidos.

Ethan estava elegantemente vestido, em um traje predominantemente preto, de caimento impecável e tecido de extrema qualidade. Ele se destacava. E até mesmo quando o perdia de vista, ela o via. Enxergava com sua alma um homem belo que controlava o ritmo de sua respiração, a direção que percorria os seus olhos, a estrutura de seus nervos.

Mas ela guardou essas reações para si mesma. Enquanto cumprimentava os convidados, dançava e tentava se divertir, Agatha consolou-se com a certeza de que um dia ela encontraria um cavalheiro inteligente e espirituoso, que a arrebataria por inteiro, lhe despertando um amor profundo e sincero. Algo que acalentaria seu coração, trazendo paz. Algo diferente do tumulto que Ethan Denbrook causava nela.

Mais tarde, durante o baile, ela sentia sufocada. Precisava de ar e silêncio. Necessitava de carinho e compreensão. Então ela foi em busca de Lady Danbury. Foram quinzes maravilhosos minutos, desfrutando da companhia exasperante e ao mesmo tempo estimulante da condessa. Contou-lhe histórias estapafúrdias, fazendo com que o baile se transforma-se em um evento escandaloso e revigorante.

– A peruca da senhora Scrabough voou cerca de vinte metros antes de pousar direto na mesa de doces. – ela contou para lady D. com a expressão mais séria que conseguiu. – Oh, e pior é que o senhor Dufth mesmo assim foi até a mesa, e limitou-se a afastar um pouco toda a cabelereira e serviu-se do pudim.

– Eca! – a condessa torceu o nariz, nauseada.

Quando finalmente despediu-se de Lady D, Agatha virou a esquerda, entrando no corredor principal, com a intenção de voltar para o baile. Naquela altura, a maioria das danças já haviam acontecido e ela poderia em breve despedir-se de todos e ir para o seu quarto. Ela estava a cerca de sete passos do conjunto de portas principais do salão, quando uma voz familiar surgiu em suas costas.

– Ora, ora... Se não é a garota da cabeça enferrujada.

Aquela frase, aquele timbre, aquela risadinha que veio em seguida... Não podia ser! Agatha sabia que em algum momento Deus lhe castigaria por tudo o que aprontara nos últimos dias, no entanto, não imaginava que a ira do Todo poderoso se acenderia com tamanha rapidez. Ela girou o corpo petrificado, rezando para estar equivocada. Foi então que os olhos azuis, da mesma cor do mar depois de uma longa tempestade, encontraram os dela.

Santo menino Jesus!

- Elliot... - a voz dela saiu ridiculamente trêmula. - O que faz aqui?

- No momento, nada. - ele respondeu com um típico gracejo. - Mas pretendo em breve dançar, beber e arrumar um belo charuto. Não nessa ordem, seguramente. Primeiro: o charuto. Desde que cheguei meu pai censurou-me todas as vezes que tentei acender um.

Santo menino Jesus! A sua voz interior exclamou mais uma vez. Ela não conseguia formar qualquer pensamento coerente. Segundo depois, ela tentou falar.

- Er... Quando você voltou? Encontrei sua irmã semana passada, ela dissera que fazia meses que não tinha notícias sua. Você e sua inconstância! É realmente muito desagradável.

O belo homem a sua frente estreitou os olhos com curiosidade. Ó céus! Ela estava com os nervos em frangalhos e certamente ele percebera a fragilidade em sua expressão.

- Não está feliz em me ver? - ela indagou, sem se mostrar ofendido.

Ela estava apavorada em vê-lo ali. Agora Ethan descobriria que tudo não passara de uma invenção de uma garota desesperada. Era seria taxada de tola, mentirosa, infantil e desvairada. E teria um baile inteiro como plateia quando ele a desmascarasse. Suas bochechas enrubesceram, antecipando-se a vergonha iminente.

Pense, Agatha. Você se meteu nessa confusão. Agora encontre um modo de sair dela ilesa. Ou, pelo menos, não tão humilhada.

- Você precisa ir embora neste instante. - ela anunciou. Era o único jeito.

Ele riu. Uma gargalhada sincera e espontânea. Elliot a encarava, os olhos divertidos, esperando que ela se unisse a ele na brincadeira. Contudo, a única reação que a boca conseguirá exprimir foi apreensão. Os lábios se torceram em um linha fina e rígida.

O homem parou de rir.

- O que está acontecendo aqui?

Ela poderia mentir, mas estava ficando cansada de ter que inventar fatos e alterar a realidade. Elliot Thomas era seu vizinho e melhor amigo desde que ela dera os primeiros passos e conseguiu fugir para a propriedade vizinha. Agatha sabia que ela entenderia seus motivos. Foi ele que a tirara para dançar depois que ficou nítido que Ethan não apareceria em seu baile de apresentação. Elliot a rodopiou pelo salão com mais rapidez do que os acordes da música requeria apenas para que as outras jovens não tivessem tempo para notar suas lágrimas. Então por que era tão difícil contar para ele? Talvez ele risse. Talvez lhe passasse um sermão. Bom Deus, ela mesmo riria e criticaria se ouvisse a história pelos lábios de outra pessoa, e se a personagem principal - a mocinha maluca - não fosse ela.

Ele ainda a fitava, ansioso por uma resposta.

- Sem julgamentos?

Elliot assentiu sem muita firmeza, mas ela não notara sua hesitação.

Agatha o puxou para um canto, atrás de uma suntuoso vaso de palmeira. Ela abriu a boca e despejou tudo de uma vez, antes que a coragem a abandonasse.

- A ferrugem corroeu seus neurônios?! - foi a primeira vez que ele falara após ela confessar tudo. O desmaio na primeira noite, as aulas de músicas antes do sol raiar, as peças pregadas com a bebida e comida dele. O lago, o beijo... O outro beijo... As ofensas - essas, Agatha fez questão de ressaltar que não partiram somente da parte dela - e no fim contara que tinha usado o nome dele para escape.

- Você prometeu não me julgar! - ela o acusou, magoada. - Desculpe, Elliot. Eu me sentia encurralada na ocasião e o seu nome foi o primeiro que me surgiu. Você estava longe, em um viagem de negócios do outro lado do país, eu pensei que não teria mal se você pudesse ajudar uma boa amiga.

- E foi assim que nós terminamos perdidamente apaixonados um pelo outro. E, pelo visto, estou com um pé no altar e a cabeça na força.

Ela fez um careta.

- Também não precisa ser mostrar tão indignado com a situação. - ralhou, desferindo um soco fraco no ombro dele. - O que você me aconselharia? Lorde Denbrook veio até aqui como se fosse um favor para uma alma desafortunada. Oh, ele imaginou que eu me jogaria ao seus pés, grata por alguém vir salvar-me do cruel destino que trilha uma mulher solteira. Ele decretou que se casaria comigo com uma carranca no rosto! Ele humilhou-me sem precisar de muito. Eu me senti pequena e fracassada  com apenas o olhar e a voz desinteressada com qual ele disse que se casaria comigo. Eu poderia aceitar essa afronta de qualquer homem do mundo, menos dele.

Suas mãos enluvadas tremiam e seu leque madrepérola estava prestes a ser esmagado.

Ele percebeu. Ninguém mais no mundo podia olhar para Agatha Crane e enxergar um livro aberta. Mas Elliot podia. Conhecia cada página. Eles eram como irmãos. E ninguém mexia com a irmãzinha dele.

- Venha aqui. - ele a puxou para um abraço apertado e consolou. - Deixe comigo. Eu vou dar um jeito em tudo. Apenas sorria e me acompanhe. Nós temos um inimigo em comum e eu gostaria de começar o ataque.

Ela se afastou um pouco para encará-lo.

- O que você planeja fazer? - a voz dela era um fio prestes a arrebentar.

- O meu papel de pretendente apaixonado.

- Perdão?

- Você precisa de um homem belo, forte, capaz de arrancar suspiros e fazer os corações desavisados se derretem. - ele fez uma pausa e sorriu. - Bem, aqui estou eu.

Ah, não. El preferia que ele desse meia volta e fosse para casa. Mas quando se deu conta já estava de braços dados com Elliot, desfrutando da primeira valsa da noite. Ele estava fazendo um excelente trabalho. Os seus olhos até brilhavam ao olhar para ela, e Agatha não conhecia nenhum ser humana capaz de controlar a própria Íris daquele jeito.

- Ele está olhando para você. - Elliot cochichou no ouvido dela, mesmo sabendo que falar a uma distância normal já seria necessário.

- Ele sempre olha pra mim. - ela disse sem emoção. - Acho que Ethan espera que seja literalmente possível fulminar alguém com apenas um olhar.

- Acredito que os olhares mortais daquele homem hoje são um privilégio meu, Cabeça de ferrugem. - ele riu quando ela rangeu os dentes diante do apelido. - O jeito que ele a olha é totalmente diferente.

Ela deu de ombros.

- Desprezo? Censura? Apatia? Cólera? Qual desses ele escolheu dessa vez. - Agatha perguntou, lembrando-se da forma que ele a olhara nos último
- Vejo você mesma. - Elliot respondeu. - Eu não saberia dizer. Nunca vi ninguém olhar para uma mulher dessa forma.

Impulsionada pela curiosidade, ela girou um pouco a cabeça, apenas para vê-lo de soslaio. Quando seus olhos se cruzaram, ela prendeu o fôlego.

Santo menino Jesus!

Como enlouquecer um condeOnde histórias criam vida. Descubra agora