Capítulo 4

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Minha preciosa Agatha,
"Entristeço-me com seu sofrimento. E não lhe confesso isso por ser o esperado a se dizer de minha parte. Digo-lhe, porque enxerguei seus sombrios sentimentos em cada palavra da carta que me enviou, e o órgão que abrigo no peito de alguma forma se inquietou. Que notícia terrível! Amaldiçoo o oceano que se estende entre nós. E amaldiçoo, acima de tudo, a mim mesmo, por ter resolvido viajar justo neste tempo que se revelou inoportuno. Perdoe-me por não estar ao seu lado, asseguro-lhe que me arrependo. Mesmo distante, meus pensamentos estarão onde você se encontrar. Não sei quando..."
(carta de resposta escrita por Ethan Denbrook em 1866, após Agatha lhe enviar uma missiva contando-lhe sobre o acidente envolvendo lady Danbury. Correspondência entregue ao seu destino.)

Agatha andava distraída quando ouviu sons de vozes familiares vindo da sala de estar da ala leste. Rapidamente, ela girou o corpo e seguiu caminhando – apressadamente – em direção à ala sul, por onde os criados costumavam locomover-se. O novo percurso até seu quarto levaria o dobro do tempo, no entanto, não poderia arriscar cruzar com lorde Ethan pelo caminho, ainda não se sentia preparada para vê-lo. Talvez nunca estivesse pronta, seja dito de passagem.
Ela parou de repente, na escada, as ideias se aclarando aos poucos em sua mente. Já havia decidido que faria o possível para tornar a estadia 'daquele homem' – sim, até pensar seu nome lhe causava repulsa – o mais desagradável possível. Contudo, não sabia ao certo o que faria. Não podia simplesmente empunhar uma pistola, mirando diretamente no coração 'daquele homem', e ordenar que se fosse. Ela já havia pensado seriamente na possibilidade – durante dias afinco – e seria extremista até para seus padrões pouco convencionais.
​Naquele momento, entretanto, Agatha foi atingida, como se um raio houvesse ido de encontro ao seu corpo, por uma lembrança. A jovem sorriu, satisfeita com a própria perversidade. 'Aquele homem' iria se arrepender pelo resto de sua existência por ter tido a audácia de aparecer em sua casa, ainda que fosse como convidado. Ele deveria ter recusado prontamente o convite. Teria sido o honrado a ser feito.
'Aquele homem' não era um cavalheiro, ela se lembrou, não importa o que pensavam, Agatha conhecia a verdadeira natureza de Etha... 'daquele homem'.
Aproveitando-se do fato que sua mãe ainda não havia se inteirado de seu retorno, ela subiu as escadas correndo e foi para seu quarto, trancando a porta tão logo adentrou em seus aposentos. Onde tinha guardado as cartas? Em certa ocasião, anos atrás, ela ponderou queimá-las, para se livrar do passado para sempre, mas não havia tido coragem. A correspondência devia estar escondida em alguma caixa, ou vasile.

Alguns minutos mais tarde, Agatha estava dentro do seu espaçoso quarto de vestir, revirando todo compartimento que encontrava pela frente. Depois compraria uma bela fita para sua criada pessoal a fim de se redimir. Respirando fundo, ela parou diante do baú que guardava todo seu enxoval. Antes mesmo de puxar a aldrava e abri-lo, Agatha já lembrou-se que ali estava escondido o que procurava. Ninguém se aproximava daquele pequeno e isolado espaço. Era uma parte intocada de sua vida. Ela não sabia se um dia se casaria, uma vez que seus pais a amavam e nunca a obrigariam a se unir a alguém sem seu consentimento, só se casaria por sua própria vontade. E não imaginava se casando com nenhum dos homens que conhecia. Havia comparecido a três temporadas, e mesmo divertindo-se em algumas ocasiões, no fim, ela sempre desejava voltar a sua casa e levar a mesma vida que sempre vivera.
Enterrando bem fundo suas emoções, ela agilmente abriu o baú, e sem prestar muita atenção nas camisolas, luvas, espartilhos, mantas, procurou as cartas que havia recebido no passado. Assim que achou uma caixa envolta em um tecido de veludo preto, ela a retirou dali e levou consigo até a cama. Despejando o conteúdo da caixa sobre o colchão, Agatha remexeu nos papéis, tomando cuidado para não ler nada que pudesse despertar sentimentos contraproducentes. Ela já sentia tudo o que precisava. Odiava-o.
Não demorou muito para que ela reunisse as informações de que precisava. Durante os anos em que se correspondeu com ele, falavam dos mais variados assuntos, e em muitas das cartas 'aquele homem' havia lhe confidenciado sobre sua vida, as coisas que o irritavam nas jovens que conhecera ao longo das temporadas de Londres. Agatha era jovem na época, ainda faltavam alguns anos até chegar sua hora de debutar, por isso, as descrições do amigo a divertiam e ela passava dias rindo sobre suas aventuras para escapar das mães casamenteiras.
Naquele instante, ela tinha em suas mãos a lista que escrevera, contendo tudo o que Ethan mais desprezava no comportamento de uma mulher.
Agatha agiria exatamente igual.

Como enlouquecer um condeOnde histórias criam vida. Descubra agora