Capítulo 16

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Agatha os observou correr por entre as flores e árvores, percorrendo todo o gramado que se estendia até o horizonte.  Nunca imaginara conhecer aquela faceta de Ethan Denbrook. Vê-lo interagir gentilmente com aqueles monstrinhos incansáveis, fazendo-os rir quase como ela própria conseguia. Toda a postura austera e a expressão distante desapareceram para dar um lugar a um homem afável. O seu coração se aqueceu, no entanto, aquela  sensação era indesejada e alarmante. Ela fechou os olhos, desviando seus pensamentos para a escuridão tranquila daqueles que buscam refugio em si próprio.
Perdeu a noção do tempo em que ficou apenas ouvindo os sons alegres que a rodeava. No entanto, a voz dele entrou em seu corpo e se mantinha cirandando sua alma. A velha menininha que um dia fora despertara ao som do timbre rouco,  e agora estava outra vez ali, saltitando ao redor do objeto de sua afeição. Felizmente, Agatha era capaz de acorrentar a menina em seu subconsciente, silenciando suas palavras, sufocando suas emoções. Ela prometera seguir adiante. Para isso era imprescindível que Ethan permanecesse no passado.  
Enquanto concentrava-se em domar seus sentimentos, foi surpreendida por um peso lançado sobre seu colo. Abriu os olhos subitamente e viu Ellie diante de si. A criança sorria, suas as bochechas  coradas pelo esforço.
- Oh, você deveria brincar também, senhorita Crane. - declarou com um euforia incontida.  - O seu amigo corre mais rápido do que qualquer homem que eu conheço. É impossível alcançá-lo, contudo, a tentativa, ainda que desastrosa, é muito divertida.
Agatha sorriu.
- Fico feliz que esteja se divertindo, Ellie. - disse. - É uma pena que hoje eu esteja com mais preguiça que o normal.  Prefiro ficar aqui aproveitando o tempo agradável.
Mesmo desapontada, a menina assentiu.
- Tudo bem.
Ellie ficou em silêncio por um tempo. As duas apenas observando os meninos apostarem corrida até o lado sul da propriedade, mas tarde ela comentou:
- O senhor Ethan é tão lindo! E alto! E forte! E ele também cheira a sabonete.  
Agatha limitou-se a balbuciar um som indecifrável.
- E ele anda de um jeito tão elegante. - acrescentou, maravilhada.
Agatha suspirou desanimada. Será que todas as garotas da Inglaterra estavam destinadas a se afeiçoarem a Ethan Denbrook? Ela sabia que não era a única. Quando criança, sempre sentiu um forte desalento ao ver como suas primas caíam encantadas por ele. Provavelmente toda a vida dele fora repleta de adulação constante. Humpf! Agatha não podia mais suportar a presença daquele homem, era ultrajante.Ele devia partir, ainda mais depois do beijo. E também tinha o honorável noivo imaginário para dificultar ainda mais aquela situação insustentável. Se Ethan descobrisse que tudo não passara de uma mentira ela ficaria mortificada. Pior, Agatha refletiu, possivelmente acabaria morta no sentindo mais literal da palavra.
- ... Fora isso o sotaque dele é diferente,  cativante. Eu lhe perguntei, e ele me disse que viajou por muito lugares, por isso fala desta maneira. Não é maravilhoso? Ele também é muito inteligente. Falou um pouco de alemão conosco, e de grego. - A menina continuou declamando todas as qualidades distintas do novo amigo. Agatha impressionou-se com o grande número de adjetivos que uma garota tão pequena era capaz de armazenar em sua cabeça.
- O que acha dele? - Ellie perguntou.
- Ele é... um bom homem.
- Você gostaria que ele a cortejasse, senhorita Crane? O senhor Ethan é o melhor partido. Eu ouvi minha mãe dizendo isso.
Agatha franziu o cenho.
- Deixe de ser alcoviteira, Ellie. Não creio que você também irá tentar me casar, como parece fazer todas neste último ano.
A menina repousou a cabeça em seu ombro e suspirou, extasiada.
- Eu só não consigo entender como a senhorita não está apaixonada por ele... - mais um suspiro foi dado quando lorde Denbrook ria de algo que um dos meninos disse.
- É bem fácil, na verdade. - retorquiu Agatha, as duras palavras e a arrogância dele vivas em sua mente.
- Mas o sorriso dele é esplêndido. Todos os dentes são retos e branquinhos...
- Ellie, por favor - a sua voz saiu mais alta que o desejado, atraindo o olhar de Ethan. Com um tom mais baixo, ela disse: - Falemos de outra coisa, sim? Como foi a sua visita a Bath semana passada?
Por sorte, a criança adorara a viagem e foi logo tomada pela empolgação de contar todos os dias que passou com seus tios em Bath.

Mais tarde naquele dia, Ethan estava pescando com os primos de Agatha no grande lago que possuía a propriedade. Ellie, que era filha dos caseiros do Meu Chalé, acabara adormecendo em seu colo, e pouco tempo depois o pai da menina aparecera para carragá-la até a cama. Agatha ficou ali, sentada à sombra do grande carvalho, sentindo o vento bater contra o seu rosto. Ninguém veio incomodá-la e ela não sentiu-se inclinada a se levantar para ir em busca de companhia. A dor do braço havia diminuído e naquele instante tudo parecia estar em paz e harmonia. Afastou dos pensamentos tudo o que houvesse relação com Ethan, pois aquele era um momento dela. Como costumava acontecer sempre que estava sozinha em um lugar belo e silencioso, a sua mente começou a aflorar, recriando a imagem que seus olhos captavam, com tons mais vívidos. Aquele dia daria uma bela pintura, pensou. A forma como o sol iluminava as folhas da árvore. Era simples, porém extraordinário. Seus dedos de repente formigavam de expectativas. Fazia algum tempo desde a última vez que segurara um pincel em suas mãos.
Tempo demais.
- Ainda aqui? - a voz de Ethan a sobressaltou.
Ela refreou a língua, impedindo uma resposta mordaz de escapar pelos seus lábios. Ethan se comportara de modo adorável com seus primos. Era seu dever levar isso em conta.
Com a voz serena ela respondeu:
- O dia está tão lindo que eu escolhi aproveitá-lo tanto quanto possível.
Ele concordou com a cabeça e continuo em pé ao seu lado.
- Posso me sentar com você?
- No chão? - indagou ela, surpresa. Futuros condes só se sentavam em móveis sofisticados e acolchoados.
Ethan ignorou sua pergunta impertinente e sentou-se, recostando-se no largo tronco da árvore.
Os corpos deles são se tocaram, mas estavam próximos, e a curta distância foi o suficiente para que Agatha lembrasse do beijo. O primeiro e último que partilharam. Para não afundar-se em suas lembranças, ela iniciou uma conversa.
- A pesca foi boa?
- Para os peixes que preservaram sua vida, certamente foi uma pesca excelente. - ele gracejou, o que era incomum. - Mas para nós, que sofremos um golpe severo em nosso orgulho, foi um perfeito desastre.
Ela sorriu.
- Oh, meu tio Benedict diz que existe algo na água daquele lago que faz com que os peixes sejam os mais perspicazes do continente. É uma desculpa insatisfatória, mas devemos dar-lhe crédito pela criatividade. - ela comentou, afastando qualquer sinal de silêncio daquele lugar. - Você pode tentar pescar no lago que temos em casa. Os peixes do papais são incrivelmente burros.
Ethan riu, e ela não pôde resistir a sentir uma onda de satisfação com aquele som.

Como enlouquecer um condeOnde histórias criam vida. Descubra agora