Capítulo 21

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Ele devia estar parecendo um verdadeiro idiota encarando o feliz casal daquele jeito. Mas não importava, de qualquer modo. Aquela cena toda já estava errada mesmo. Tudo estava fora do lugar. Não era ele quem devia estar em um canto, fervilhando de ódio, como um amante traído. Oh, não.  Seu lugar era lá, com uma mão unida com a dela enquanto sua outra pousava em suas costas, sentindo-se febril com o calor que o contato despertaria. Inferno. De onde estavam vindo todos esses pensamentos? Ele devia estar enlouquecendo.

Devo parabenizá-la por isso, senhorita Crane, ele resmungou para si mesmo.

Enfim a música terminou, mas nem mesmo assim os pombinhos se afastaram. O homem a acompanhou até à mesa de limonada e lhe serviu um copo. Ele orbitava ao redor de Agatha, em um gesto possessivo. Por Deus, tal proximidade era no mínimo escandalosa. Mesmo que o cavalheiro estivesse prestes a pedi-la em casamento, deveria prezar pela reputação dela perante a sociedade. O que ele pretendia? Roubar-lhe o ar de uma maneira mais literal do que romântica? Ethan os fitava com um olhar que exigia distância, mas foi totalmente ignorado.

Alguns minutos depois, um homem mais velho chamou Elliot pelo nome, que se afastou para juntar-se a um grupo de fazendeiros da cidade. Finalmente. A pressão no peito de Ethan foi diminuindo. Sua respiração tornou-se mais leve. E acada segundo que passava ele sentia mais desprezo por si próprio. O homem que ele tanto lutara para aprisionar havia encontrado uma rota de fuga. Aquele ser enciumado e sentimental. Quando ele retornara? E o mais relevante: quando iria embora?

Talvez aquela reação fosse momentânea e amanhã ele acordaria e pensaria na noite anterior como uma curva sombria de sua existência, da qual felizmente conseguira desviar-se. Mas não era isso que o seu coração lhe dizia. Uma emoção tão forte como a que sentia só podia ser algo permanente. Duradouro. Eterno.

Ele sabia que aquilo estava indo longe demais. Cometera o mesmo erro em outra oportunidade. Amara Sarah com uma ferocidade que desafiava a própria natureza humana. Quando a conheceu todo o seu mundo se resumiu em ganhar o coração daquela linda jovem. Era um sentimento novo, e talvez até um pouco egoísta. De repente, todas as pessoas desceram um degrau, ou dois, em sua preferência, para que o pedestal que ele havia erguido pudesse ser por completo dedicado à sua amada. Ele era jovem e sua vida rendia-se aos mais breves sonhos. Ele aproveitou intensamente o momento. Colheu os sorrisos da noiva e floriu seu jardim. Eles se amariam para sempre e nada mais no mundo igualava-se em valor àquele sentimento.

Então, a velha metáfora do castelo de areia mostrou-se verídica. Um ensinamento cruel que doutrinou seu coração fraco. Em um momento se possui tudo, e em seguida, o 'tudo' se esvai.

Apenas quando ele adoeceu de amor, viu-se perdido sem Sarah, percebeu que aquele não era um afeto saudável. Depois dela, ele estava decidido a não se apaixonar outra vez. Ele não sabia amar. Era uma explicação deplorável, mas servia como uma luva. O amor crescia de forma equivocada em seu interior, em um grau desmedido que era perigoso.

Anos antes, Ethan, distintamente dos homens com quem convivia, não considerava o amor como uma debilidade, uma fraqueza humana que devia ser erradicada. Pelo contrário, ele queria amor. Dar e recebê-lo. Multiplicá-lo e dividi-lo com alguém. Ele queria olhar para uma moça assim como Lorde Bridgerton olhava para a sua viscondessa.

Não aconteceu como planejado. Ele tornou-se obcecado e vulnerável. Ele via nos olhos de Sarah. A sensação de dependência pesava sobre eles. E quando ela abruptamente se foi, algo em sua mente lhe dizia que, na verdade, ele a havia perdido muito antes daquele dia.

Restou-lhe, então, conformar-se com o plano secundário. Aquele que envolvia uma esposa adequada, um herdeiro para dar continuidade à linhagem e um bom número de arrendatários para administrar. Seria um casamento estável. Haveria gentileza e fidelidade da parte dele, e em troca sua condessa o presentearia com sua companhia e com filhos. E ele não se incomodaria por não amá-la de maneira indomável. Uma família lhe supriria as necessidades afetivas.

Ainda admirava Agatha à distância, em um salão lotado, quando uma pergunta brotou em sua cabeça. Onde ela se encaixava? Ela já não servia mais para o plano secundário. Ethan a desejava em excesso para considerar ter um casamento meramente conveniente com ela. Restava-lhe o plano original. Um amor arrebatador, que definiria o sentido de sua vida. Mas, diabos, ele tinha tanto medo de ser como antes. De perder a si mesmo ao tentar se encontrar alguém.

Não suportaria construir mais um maldito castelo de areia.

Entretanto, por mais que a indecisão cobrisse todas as suas extremidades, havia uma convicção que remanescia. Um anseio que esmurrava contra seu peito. Ele queria dançar com ela. Provavelmente, isso não o beneficiaria em nada. Não quanto travava uma batalha interior entre a prudência de afastar-se e a insana vontade de agarrá-la e não soltar mais.

Por fim, a loucura venceu.

Outra música acabara de ser iniciada pelo conjunto de cordas. Agatha voltara à pista para valsar com o Senhor Elliot pela segunda vez na noite. O recomendável, ele aconselhou a si mesmo, era que aguardasse a próxima dança e procurasse, sem fazer alarde, inteirar-se se havia algum espaço vago no cartão de dança da jovem. Se houvesse, ele devia aproximar-se com cortesia, curvando-se em uma mesura lisonjeira e agraciá-la com um elogio sóbrio sobre sua aparência. Ele já havia encenado aquela cena tantas vezes antes nos muitos bailes que desfrutara em Londres. O gesto certo e a palavra apropriada eram ações gravadas em brasas em sua consciência.

Mas num ímpeto de roubá-la dos braços de Elliot, ele agiu intempestivamente.  Seguiu o caminho mais curto que levava até ela. Com passos firmes e ansiosos, ele marchou pelo atalho, que nada mais era que uma linha reta, que se desenhava cortando ao meio o local reservado para os casaisdançarem. Ele avançou, e não demorou muito para atrair para si a atenção de todo par de olhos no salão. Um pedido brusco de desculpa escapava dos seus lábios à medida que se aproximava. Ele estava sendo inconveniente, rude e repudiável, no entanto, naquele instante faltavam apenas poucos passos para alcançá-la. E isso era tudo o que importava.

Impulsionou a perna direita para frente, em seguida fez o mesmo com a esquerda, e depois novamente a direita, e então parou diante dela.

Se Agatha tinha o percebido se aproximando, não demonstrou. Mas agora que ele estava a poucos centímetros, tão próximo que resultou impossível que ela e seu pretendente executassem o mais simples passo, os olhos dela não tinham outro destino a não ser se encontrarem com os dele.

Ethan engoliu em seco, recrutou toda a coragem que possuía, e lhe dirigiu a palavra:
– Você me daria a honra de conceder-me esta dança, senhorita Crane?
Ninguém estava mais dançando. Ele sentiu todas as cabeças viradas em sua direção. Aparentemente, os convidados tinham encontrado um entretenimento mais interessante ao qual ater-se.  Ethan era uma atração e tanto, gerando uma fonte estimulante de especulação sobre a vida pacata que aquelas pessoas levavam no campo.
– Ela já havia prometido esta dança a mim, como eu acredito que já havia percebido, Lorde Denbrook. – o Sr. Elliot disse a ele, com tom de impaciência na voz.
– Mas ela pode mudar de ideia.
Ethan a fitava, esperançoso. Era dela que ele esperava uma resposta. Era a reação dela que ele buscava. O que o homem ao seu lado e o restante do salão supunha valia menos que um xelim para ele.
– Mas ela não mudará de opinião. – o crápula sentenciou. Então sua mão protetoramente segurou o cotovelo de Agatha, que permanecia muda.
O silêncio dela castigou-o mais que uma recusa isolente. O som de sua voz podia salvá-lo ou condená-lo, ele assumia o risco, mas diabos! Ele precisava que ela conversasse com ele.
– Por favor, Agatha... – a súplica sincera dela era sua última estratégia. Sua alma entregue em uma bandeja era tudo o que ele poderia oferecer a ela.

Desesperado, sua mão atreveu-se a tocá-la. Ele segurou seu cotovelo livre, aquele que o Sr. Elliot não tocava. Uma súplica silenciosa para que ela o escolhesse.

Céus! Se a uma distância segura o olhar dele revelara um tumulto sôfrego que a tocou profundamente, de perto, frente a frente com a tempestade sombria e revolta que se avolumara sob as pálpebras dele, a expressão em seu rosto partiu-lhe o coração.

Por um longo segundo, ela culpou-se por qualquer que fosse a atitude que ela tomara que desencadeara aquele sofrimento. Ela o havia atacado apenas visando defender-se. Um instinto de sobrevivência que a obrigou a não permitir que aquele homem a ferisse mais uma vez. Não pretendia atingi-lo daquela maneira.

Como enlouquecer um condeOnde histórias criam vida. Descubra agora