Capítulo 17

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Quando a risada dele cessou o som foi sucedido por um silêncio ameno e tranquilizante. Em qualquer outra circunstância, um casal desfrutando a brisa cálida de uma tarde ensolarada poderia ser considerado um evento comum e rotineiro, principalmente no campo, onde as pessoas tinham por costumem aproveitar os deleites da natureza. No entanto, em se tratando de Ethan e Agatha, tê-los assim, compartilhando algo de maneira pacífica era uma espécie de milagre divino.

E ela parecia um verdadeiro anjo, pensou Ethan, lançando olhares fugazes à jovem, que mantinha um sorriso descansando no rosto. Ele julgou necessário dar continuidade a um assunto, qualquer assunto, a fim de garantir a companhia dela por mais algum tempo. O problema residia no fato que toda vez que Ethan abria a boca, invariavelmente acabava aborrecendo Agatha.
Mas desta vez ele ia tentar realmente.

— Eu lhe trouxe isso.  — ele tirou no bolso interno de sua casaca uma frondosa manga e ofereceu a fruta a ela — Sua tia Sophie pediu que eu lhe entregasse.
O rosto dela se iluminou enquanto pegava  a manga.
— A melhor época do ano é quando minhas árvores preferidas começam a dar fruto.
— Eu pensei que as jovens julgavam a Temporada social em Londres o ápice do ano. — comentou Ethan, divertido.
Ela arqueou a sobrancelha, olhando-o de esguelha.
— Eu me pareço com esse tipo de jovem?
— Não. — respondeu ele imediatamente, dessa vez sua afirmação soando como um elogio.
Você é diferente delas. É extraordinária., acrescentou apenas para sim.
Enquanto Agatha se deliciava com o aroma adocicado da fruta, Ethan se amaldiçoou por sua falha em não pensar em trazer consigo uma faca, um prato e um guardanapo de linho. Ele poderia ter providenciado uma cesta de piquenique, refletiu tardiamente. Essas questões domésticas lhe passavam despercebido, e agora perdera a chance de impressioná-la.
— Você não ganhou uma? — a pergunta dela o arrancou de seus pensamentos.
— Esta não é uma fruta por qual eu tenha predileção. Considero sem muitos atrativos para o paladar. Eu...
O resto da frase ficou presa na garganta dele. Seus olhos dobraram de tamanho a medida que a cena de desenvolvia. Agatha, a despeito de sua falta de talheres e louça apropriados, fincou os dentes na manga, descascando-a de maneira desajeitava. Em segundos, um sulco amarelado lhe escorria pelo rosto, deslizando até macular seu vestido elegante. Seu estado era deplorável, mas ela não parecia dar-se conta, ou então se importar, que suas ações careciam de modos e discrição.
Agatha comia com um sincero prazer inocente. E o que Ethan  sentia naquele momento era algo bem parecido, exceto pela característica da inocência. A imagem dela colocou fogo em suas veias, incendiando do dedo do pé ao último fio de cabelo. Depois de uma vida inteira se prendendo ao que era adequado e civilizado, ele só podia esperar que Agatha fizesse todas suas refeições a partir de agora com aquela total entrega.
Agatha Crane perder a compostura era, de certo modo, esperado. No que se referia a Ethan, nunca, sob qualquer circunstância, por mais adversa que fosse, era imaginável. Por isso, quando seu próprio corpo tomou a iniciativa de se inclinar em direção a ela e a ponta de sua língua ousadamente tocou o queixo de Agatha, subindo lentamente por seu rosto segundo o rastro de suco que lambuzava a face dela, ele se assustou com a força com que seu desejo o assaltava com impulsos irrefreáveis.
Mas já era tarde em demasia para voltar atrás. Se Ethan aprendera alguma coisa nos dias que passara na companhia enervante de Agatha era que as vezes era preferível agir em concordância com seus próprios anseios do que para conquistar a aprovação dos que lhe cercam.  Em um ato egoísta, pautado em sua própria satisfação, ele colou seus lábios com os dela, e quando Agatha arfou surpresa, se aproveitou da pequena fenda que o gestou formou em seus lábios e afundou a sua língua à procura da dela. Foi um beijo cru, doce e meio desesperado. Não havia um espaço em sua mente para pensamentos, ou ponderações, todo o mundo se limitara àquele momento, o beijo roubado do qual Agatha felizmente, considerou Ethan, estava mostrando-se muito ativa. Os dedos lambuzados dela foram parar enroscado nos cabelos dele, mas ele não se importou. Ethan a puxou para mais perto, colocando-a sobre seu colo e os arrastou para mais próximo do tronco da árvore, que lhes oferecia uma espécie de esconderijo.
A boca dela tinha o gosto certo, o tamanho ideal e ânimo necessário para levá-lo ao céu. Ela não o rejeitou por um único segundo, e a consciência disso, possuía para Ethan o mesmo valor que a sua fortuna. Não, era ainda mais precioso.
Ele devorou os lábios dela como um homem apaixonado.
Algo nesse pensamento o fez parar subitamente. Ele recuou os lábios dos dela, mas seus braços continuavam envolvendo sua cintura, segurando-a em seu colo. Ethan se concentrou em respirar, inspirações curtas e ofegantes eram o máximo que conseguiu naquele instante. Agatha, que mantinha seus olhos fechados, tinha sua respiração igualmente desestabilizada.
Ela temia abrir os olhos.
O que encontraria? Arrependimento? Rejeição? Dúvida? Mais não eram os sentimentos refletidos o olhar dele os que ela mais temia. Mas sim os que seus próprios olhos revelariam uma vez que Ethan os observassem. Todos os anos que passou amando aquele homem, de repente, não estavam trancafiados no fundo da sua alma, eles ganharam outra vez força para subir à superfície.
— Agatha?
A voz dele. Como era possível algo tão pequeno tocar seu coração.
Com cuidado, ela abriu os olhos, contudo não o encarou, sua cabeça estava baixa e fitava-a o chão. Envergonhava-lhe o fato de ter cedido. Oh, céus, por que simplesmente não conseguia esquecê-lo?
— P-por que fez isso? — a pergunta escapou dos lábios de Agatha.

Um admirável otimismo da parte dela acreditar que naquele instante Ethan possuísse capacidade de raciocínio para elaborar uma resposta satisfatória. O seu corpo todo queimava de modo incompreensível, chamas de desejo se acendiam por vontade própria. Uma frase, por mais erudita e eloquente que fosse, seria um prefácio incompleto de uma história que ele não sabia como contar. Os personagens eram eles, isso Ethan tinha certeza. Ele era o homem sobre o qual alguém cruelmente havia lançado um feitiço, condenando-o à uma vida insípida, transformando sua alma em um espectro adormecido. E ele havia recebido um castigo milhares de vezes pior que na história da Bela adormecida, a jovem princesa que espetou seu dedo agulha de tear e foi afastada da vida em todos os seus sentidos, repousando em um sono vazio, mas seguro.
Ethan, por sua vez, foi amaldiçoado a um corpo vivo, desperto. Os olhos abertos, enxergando o que não conseguia mais desejar.
O mundo descoloriu diante dele.
E então tornou a possuir cor.
Oh, sim, Agatha Crane era a pintora. A personagem principal da história. E, por Deus, ele queria mais um capítulo.
Somente quando a escutou bufar, foi que ele se deu conta que ela permanecia o encarando com aqueles olhos intensos, à espera de uma explicação.
Mas o que ele poderia dizer?
Eu aprecio beijá-la?
Simples demais.
Eu aprecio muito beijá-la?
Essa resposta não saciaria seu espírito curioso.
Eu não pude resistir à tentação?
Muito dramático.
Eu...
— Você está muito bonita hoje. — ele disse, arrependendo-se no mesmo segundo que as palavras abandonaram sua boca.
Ele a estudou atentamente, buscando decifrar sua expressão, mas não havia nada ali. Pelo menos não na superfície. Ela limitou  piscava e olhava para ele, calma e silenciosa.
Ele pigarreou incomodado e Agatha lembrou-se que chegada a sua hora de falar.
— Nunca mais me beije. — sua voz não soou firme e decidida como devia.
Ela tentou novamente:
— E não pense que estou criando um jogo entre nós. — declarou, pensando no que as suas tias lhe contaram sobre mulheres provocadoras, e seus jogos levianos. — Você não tem permissão para beijar-me e eu não sou uma das suas propriedades, que você pode usar como bem dispor.
O rosto dele, sempre tão impassível, transformou em uma carranca.
— Eu devo ter entendido mal, senhorita Crane. A forma impetuosa como você correspondeu ao beijo me levou a crer que desfrutarmos de algo que ambos queríamos.
Agatha enrubesceu, tomada pela vergonha. Sabia que devia tê-lo repelido desde o primeiro momento, mas seu intelecto demorou a perceber que não tratara-se de um sonho.
— É evidente que o senhor tem habilidades... interessantes. — ela disse a contragosto. — Mas não trata-se disso. Não é correto. O senhor deve no futuro lembrar-se que a minha reputação é que ficará arruinada para sempre por sua culpa!
Ethan a observou, estupefato. Agatha Crane proferindo um discurso efusivo, pregando moralidade e o decoro. O Apocalipse estaria próximo, certamente.
— Você está certa. — reconheceu Ethan, sentindo o gosto amargo da repreensão na boca. — Eu não devia tê-la beijado. Peço que perdoe meu atrevimento.
— Mais este. — corrigiu ela, fazendo questão de pontuar. — Oh, eu nunca imaginei que o senhor seria um Don Juan descarado, no entanto, as aparências nos enganam...
Ele soltou um riso sombrio antes de admitir:
— Um beijo em uma mulher depois de longos três anos não é suficiente para fazer de mim com conquistador imoral, creio eu.
Agatha não era um gênio com os números como ele, mas prontamente conseguiu fazer a conta. Três anos? Três longos anos?
Isso significava que ela era a primeira mulher que ele beijara após Sarah.
Era?
— Foram dois beijos. — ela se ouviu balbuciar, e não soube de onde o pensamento surgiu.
Ele curvou ligeiramente a boca, não chegou a ser um sorriso.
— Estou impressionado com sua precisão. — disse ele. — Sim, foram dois beijos. E provavelmente seriam três ou quatros, se você não nos tivesse interrompido.
As palavras deles ecoaram dentro de sua mente, como se houvessem sido gritadas dentro de uma profunda caverna.
Mas nunca haveria nada mais que beijos, sua consciência a lembrara. Não haveria sentimento em seguida, por que ninguém seria capaz de afeiçoa-se a alguém que não admira. A beleza atrai o desejo, mas ele certamente supunha que ela não teria mais nada a oferecer.
Ela não era a doce Sarah.
A lembrança de Sarah fez com que todas as lembranças dolorosas, que foram capazes de criar uma muralha ao redor de Agatha, deixando Ethan do lado de fora. Apenas assim ela estaria protegida.
Ela corrigiu a postura, e tentou limpar o rosto lambuzado com o dorso da mão. Se a vissem daquele estado seria difícil explicar o que acontecera. Seus movimentos eram acompanhados por um silêncio inquietante. Ela apenas agia. De soslaio, viu ele retirar um lenço de linho elegante do bolso e oferecer a ela. Aceitou aquela pequena gentileza, sabendo que era mais uma formalidade que um gesto de sincero carinho.
— No futuro, lembre-se que meus lábios devem ser guardados para o meu futuro marido.
Ele engoliu em seco.
— Quem é o seu pretendente? — ele perguntou, com voz ríspida. — Eu conheço as famílias mais importante. Certamente saberei de quem se tratada.
Ora, ora...
— Você não o conhece. — Agatha declarou.
Ele apenas arqueou a sobrancelha, intrigado.
— Você não acredita em mim? — ela indagou, irritada.
Ethan ficou em silêncio. Porém, seu olhar cético revelara sua opinião.
Ela não podia permitir isso.
— Elliot Thomas Lincon. — O nome escapou de seus lábios abruptamente.

Como enlouquecer um condeOnde histórias criam vida. Descubra agora