Capítulo 23

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Infelizmente, até o beijo mais sublime já experimentado carece da benção da eternidade.
Com isso em mente, Ethan afastou os lábios de Agatha para que ela pudesse recuperar o fôlego e pôr em ordem os seus pensamentos.
Deu um passos para trás, mas seus olhos permaneciam nela.
— Eu preciso voltar para o baile. Meus pais devem estar preocupados. — ela sussurrou um minuto inteiro mais tarde, meio desconcertada.
— Arrepende-se de ter me beijado? — perguntou ele. Temia a resposta, mas precisava saber.
Agatha ergueu o olhar para ele. Deus, ela o confundia. Seus olhos refletiam desejo e arrependimento em proporções praticamente iguais.
— Não estou arrependida. — ela disse com firmeza. — Mas talvez eu esteja amanhã. Ou se semana seguinte. Provavelmente me arrependerei tão logo você volte para Londres.
Mas ele não ia voltar. Ela não tinha o que temer, pois ele não iria a lugar nenhum sem ela.
— Eu farei com que não se arrependa, Agatha. — prometeu Ethan. — Se seu coração for bondoso o suficiente para me perdoar, eu passarei a vida toda tentando me redimir. — fez uma pausa e a puxou para si. — Eu não quero que entre nós ocorra apenas um beijo, um encontro furtivo e depois meia dúzia de lembranças que nos castigarão por toda vida. Eu quero transformar nossos beijos em rotina, nossos encontros furtivos, em momento ansiosamente esperados, e desejo ferozmente que o que haja entre nós dure enquanto durarmos nesta vida.
Ela arfou, mas ele não deu-lhe sequer tempo de reagir.
— Embora um pedido de casamento esteja preso em minha garganta. — continuou ele. — Não farei isso agora, enquanto há tanto ressentimento nos rondando, peço apenas que me permita cortejá-la, convidá-la para um passeio, ter uma tarde em sua companhia. Apenas isso. Iremos com calma, de acordo com o ritmo que você impor. Quando eu me ajoelhar diante de você, Agatha, quero que  me ame quase tanto quando meu coração ama você.
Agatha sentiu algumas lágrimas deslizarem por sua face. Todo o amor enclausurado em seu peito agora estava de volta à superfície. Cada dia que viveu amando Ethan Denbrook foi pouco mais que um martírio para ela. Mas agora, por mais que teimasse em duvidar, ele lhe oferecia a oportunidade de  transformar tal amor em felicidade.
— Acredito que um passeio seja um pedido razoável. — anuiu ela.

***
A primeira coisa que atraiu a atenção de Ethan naquele dia foi o sol radiante que iluminava cada folha pelo caminho e a brisa suave que acariciava seu rosto. O tempo estava demasiadamente agradável para um passeio. Cantarolando, foi andando pelo caminho de cascalhos ladeado por sebes altas em direção ao local marcado.

Quando recebera o bilhete de Agatha trinta minuto antes, o pedido dela o havia surpreendido, para dizer o mínimo. Ela mal olhara para ele durante o desjejum. E ao dar-se conta que ele a encarava, suas bochechas enrubesciam até alcançar a mesma tonalidade do seu cabelo. Por um instante, naquela manhã, perguntou-se se ela havia se arrependido de tê-lo beijado na noite anterior enquanto estavam no jardim. O tratamento distante dela quase o deixara louco, considerando que Agatha havia desistido da ideia de um passeio. Esse pensamento o incomodou por horas afinco, como uma farpa alojada na carne, impossível de ser arrancada.

Ethan era consciente que devia controlar suas piores emoções, não devia permitir que o dominassem ao ponto de nublarem o restante do seu dia. Mas quando a hora do almoço chegou e ele se viu sem fome e irritado, aquela sensação de impotência o deixou desnorteado.

Se restava alguma dúvida que ele era um homem problemático, a cambalhota que seu coração deu dentro do peito ao ler o bilhete de Agatha pôs fim a qualquer incerteza. Estava feliz e exultante no instante seguinte após ter julgado ser o mais aborrecido dos homens.
Por Deus, aquilo era uma loucura.
Entretanto, Ethan não tinha tempo para desvendar a própria natureza agora. Ele queria chegar pontualmente ao seu encontro. Um único segundo desperdiçado longe de Agatha era motivo para infindável lamento. Sentia falta do seu cheiro, do seu gosto, dos sons que faziam quando ele a acariciava... 

Ethan tirou o relógio do bolso para verificar as horas e constatou que chegara ao seu destino dez minutos adiantado. Inquieto, começou a andar de um lado a outro, treinando suas palavras e ações para aquela tarde, queria impressioná-la, queria que pensasse bem dele. Em retrospecto, seu comportamento arrogante vinha sendo um alto muro entre os dois, e ele não desejava que nada mais se entrepusesse entre a felicidade ambos. Nem mesmo sua percepção arraigada de como o mundo devia funcionar.
Ele conferiu novamente o relógio, agora faltavam oito minutos. Talvez Agatha estivesse esmerando-se em se arrumar para o encontro, pensou sorrindo. Então sua mente pôs-se a imaginar como seria o vestido que ela estaria usando. Desejou que fosse um modelo com um belo decote, um tecido fluído que moldassem sensualmente suas formas, com mangas simples que deixasse a maior parte de pele exposta. Ele riu consigo mesmo. Francamente, seria mais prático imaginá-la completamente nua de uma vez!

Os devaneios imorais de sua cabeça foram interrompidos por um barulho inesperado.  Sua cabeça virou para a direção de onde o som estava vindo e ele nem teve tempo para preparar-se para a cena que se desenrolava diante dos seus olhos. Medo, na forma mais primitiva da emoção, invadiu seu coração. Seu corpo enrijeceu. Agatha se aproximava montada em um cavalo robusto e ágil. O animal galopava ensandecido, sacudindo-a no ar. Aquele pescoço frágil desafiando a própria sorte...
Ele ansiou detê-la, protegendo-a no abrigo de seus braços e mantendo-a em terra firme. No entanto, e se fizesse ele algo que assustasse o cavalo? Não podia confiar naquela criatura instável.

Os seus olhos a vigiavam a todo instante enquanto se achegava a ele. Era um caminho razoavelmente curto. Levaria menos de dois minutos para que encerrasse a distância que os separava. Mas ele podia jurar que viveu duas eternidades bem ali, assistindo-a, com ar débio.
Nos últimos metros que faltavam, Agatha incitou o cavalo, fazendo-o aumentar a velocidade. Ethan a recriminou em silêncio. Ela não devia ser tão imprudente. Por que correr mais se já estava praticamente voando?! Ao mesmo que... Ele não teve tempo de concluir seu raciocínio. De repente, ela bateu as pernas na barriga do animal, dando a ordem e o cavalo obedeceu. O garanhão pegou impulso e...
Não salte!
Não salte!
Não a obedeça!
Todo seu corpo dele foi tomado pelo pavor. Pela convicção estranha que o pior certamente estava prestes a acontecer. Ele não tinha mais fé na sorte, tampouco em situações milagrosas.
O cavalo saltou sobre a cerca e Ethan deixou de ser dono de suas próprias vontades.
— NÃOOOOOOOOOO! — o grito saiu do lugar mais sombrio da sua alma, passou rapidamente pela garganta e deixou em lábios em um ato desesperado.

Seu mais visceral desejo era salvá-la, porém, a condenou ao invés disso. Pela segunda vez eu sua vida, ele transformou-se em plateia da própria desgraça. O animal assustou-se em meio ao salto, e ele sabia que havia sido culpa sua.
Agatha foi lançada longe e caiu indefesa.
E ele sabia que havia sido culpa sua.

Naquele momento, sentiu-se indigno de tocá-la, sentiu-se indigno até de pisar sobre o mesmo chão que Agatha. É claro que isso não o impediu de correr com desespero até ela. Seus pulmões estavam vazios de ar, causando uma sensação de queimação por dentro, quando se ajoelhou ao dela, contudo, seu próprio desconforto foi negligenciado assim que ouvi um gemido baixo escapar dos lábios da mulher que amava.
E era tudo culpa dele, sua lógica fez questão de lembrá-lo.

Atordoado, Ethan examinou o pescoço dela em busca de algum osso quebrado, pronto para sentir o próprio coração se dilacerar em milhares de pedaços. Parecia intacto, mas ele simplesmente não conseguia acreditar. Ele examinou de novo. E de novo. Então mais uma vez. Tateou sua clavícula. Tocou sua nuca com dedos trêmulos e suados.
Em seguida, repetiu todo o processo.

— Ethan, pare. — a voz de Agatha saiu como um eco distante na cabeça dele.

Ele não parou. Não podia parar. Devia estar deixando de verificar algum ponto. A morte plantara suas garras em alguma parte da pele macia dela, apenas esperando para ser descoberta.

— O que você está fazendo? — Ela tentou afastar suas mãos, mas foi uma tentativa inútil. Ele era mais forte do que ela. — Ethan? Ethan?! Pare já com isso! Eu estou bem.

— Seu pescoço está quebrado. — A frase veio acompanhada de um soluço entre lágrimas.

— Não, não está. — ela disse serenamente, tentando levantar-se — Eu sou a Agatha Crane e não a sua Sarah. E eu vou viver.

Os dedos dele congelaram. Ainda tocavam o pescoço dela, mas agora eram como um colar pesado, inanimado. Ela o tocou no rosto, seus olhos buscaram os dele, e uma parte de Ethan reconheceu que ela estava atônita por criar uma ligação, trazê-lo de volta de onde quer que tivesse sido jogado. O olhar dela o chamava, quase que implorando que ele retornasse, centrado e confiável como sempre. Mas Ethan estava distante e a mente turva demais para encontrar o caminho.

— Eu estou bem, Ethan. Não foi nada grave.

Ele não sabia o que responder. Pegou-a no colo e a carregou nos braços de volta a casa. O corpo dela estava quente junto ao seu, transbordava energia, vitalidade. Ela respirava. Seus braços se moviam sobre os ombros dele. A morte parecia distante dali por ora, então por que ele continuava tão aflito?
Durante todo o trajeto, Agatha não parou de falar, buscando tranquilizá-lo.
Bem viva. Perfeitamente viva.
Ao atravessarem o vestíbulo, uma grande comoção se desencadeou. A senhora Crane saía da sala de estar quando os viu entrando, sua filha sendo carregadas, suas roupas amassadas e sujas de terra. O que se seguiu então foi como um borrão disforme para Ethan. Com gestos reflexos, ele levou Agatha até o quarto dela e acomodou-a na cama. Em seguida, tirou cuidadosamente os sapatos de seus pés e pegou algumas almofadas de uma cadeira e as dispôs sob ela, para deixá-la mais confortável. Ele tinha noção vaga de ter lhe murmurado um pedido de desculpas, antes de deixá-la aos cuidados da mãe e da criada, o que não diminuíra em nada seu remorso.
Depois, fez a única coisa honrosa que podia fazer, mandou prepararem sua carruagem e partiu.

Como enlouquecer um condeOnde histórias criam vida. Descubra agora