Pégadas da vida

Christian

Depois de um dia maravilhoso com a mulher da minha vida deitámos e falámos sobre o futuro dela. Amanhã virão os Drs Carla e Ray Steele para falarem com ela acerca da capacitação de escolaridade e eu perguntei-lhe pelos gostos dela para tentar uma universidade. 

Tive de sair cedo pois quero ver como estão as crianças do acidente, em especial o que operei. Faço a ronda com alguns estagiários clínicos, vejo o pequeno Bob e ele está a recuperar bem. Ás 09 Horas tenho a 1ª aula para dar, termino a manhã e almoço, depois de almoço estarei na Emergência até ás 17 horas. Estou a sair do meu consultório quando vejo o Jason a correr em direcção a mim.

- Dr Christian, temos de ir já para sua casa, é uma emergência. - diz e arrepio-me. Será que aconteceu alguma coisa com a Ana, ou com as crianças?- Traga a sua mala e 3 Kits de recolha de sangue por favor.

Saio a correr atrás dele, pego tudo o que ele disse, tiro o Jaleco e depois de avisar a minha secretária que não volto hoje vamos embora.

- O que aconteceu Jason?- pergunto assim que entramos no carro.

- O Dr Ray e a Dra Carla desmaiaram quando viram a Ana.

- Sério? Porquê? E porquê os kits de recolha?

- Este casal Christian, para além de terem um dos mais renomeados institutos educativos de Nova Iorque, estão ligados ao nosso departamento á 19 anos. O filho ou filha foi-lhes raptado á nascença sem eles nem saberem o sexo da criança. A dra Carla foi deixada aberta e inconsciente numa sala, tiveram de lhe retirar o utero e ela ficou em coma, desde então procuram o filho. A Gail pediu o kit de amostra, quem sabe a Ana é a filha perdida. Se for, ela é Americana e não Portuguesa.

- E como vamos fazer isso?

- Se fizermos lá a recolha eu levo de imediato ao nosso laboratório e em 2 horas temos o resultado. 

Chegamos a casa e eu saio a correr, entro em casa e sigo para o escritório. Estão 2 pessoas deitadas no chão com as pernas no sofá. A Ana está com ar assustado. Avalio-os, a Grace vai-me dizendo como os encontrou e depois de ver que estão bem eles sentam-se no sofá, e Dra olha para a Ana e começa a chorar até que ele tira uma foto da carteira e quando eu olho, meu Deus, tão parecida com a Ana. Estamos todos assustados com as parecenças mas quem está pior mesmo é a Ana e quando a Gail lhes pede para se levantarem e ficarem juntos as parecenças são ainda maiores, principalmente com o pai. Impossivel não ser a Ana a filha raptada. Coincidências destas acontecem 1 num bilhão. A Grace faz a recolha de sangue deles 3 e a Gail aconselha-nos a ir para a sala. Depois de trazerem o café e uns bolos o Ray começa a contar a história deles, de terem perdido um filho devido a um assalto e de tudo o que aconteceu no parto e no pós parto. Eu estou sentado ao lado da Ana, abraço-a e assim ficamos, apoio-a pois ela está muito perturbada. Vão intercalando entre ele e a Carla no relato dos acontecimentos e eu não consigo ficar indiferente á história de vida deles. Quando começam a sair outros detalhes eu vou ficando com a certeza que pode mesmo ser, inclusive a data de nascimento da Ana é 2 dias anteriores á do filho deles. Podem ter alterado a data para ser mais dificil de detetar, na altura que a Ana nasceu o alerta AMBER, um alerta criado nos EUA para a detecção de crianças era recente, tinha apenas 1 ano, foi criado em 1996. Acredito até que ela tenha sido levada para Portugal num avião privado. 

Depois de ouvirmos a história deles  e com a permissão da Gail, a Ana conta a sua história a eles, inclusivé a nossa vinda para aqui, a criação da nossa identidade e das crianças.

- Então vocês não têm nada um com o outro.- diz o Ray

- Neste momento namoramos.- digo-lhe.- Foi impossivel não me apaixonar pela Ana, apesar dela relutar muito pois, apesar de tudo o que lhe digo ela acha-se impura. Mas eu amo esta menina/mulher mais que tudo na vida, ela e a pequena Ella, a quem eu considero minha filha. 

A porta abre e entra o Jason com 1 envelope na mão. Nem me apercebi mas já aqui estou á quase 3 horas. 

- Senhores, já aqui tenho os resultados e tomei a liberdade de encomendar e trazer jantar... Acredito que ninguém sequer pensou nisso e uma vez que todo o staff da casa foi dispensado tomei a liberdade de escolher e trazer. Tem também sopa para as crianças. 

Ele entrega os 3 envelopes á Gail, assente com a cabeça para ela e dirige-se á cozinha. Assim que ele volta Gail dá um envelope ao Ray, um á Carla e um á Ana.

- Podem abrir.- diz ela. A Ana abre e eu olho para o resultado.

- O que quer dizer Christian, não percebo. - diz a Ana. Oiço um grito e a Carla desmaia, o Ray apoia-a e a Grace vai junto dela ver como está.- Christian, por favor, diz-me.- implora ela com lágrimas nos olhos.

- Ai diz que tanto a Carla como o Ray são teus pais. Eles são os teus pais Ana.- digo e ela abraça-me a chorar. O Ray levanta-se e ajoelha-se frente á Ana e segura as mãos dela.

- Ana, posso te chamar assim?- A Ana assente.- Posso te abraçar filha?

Ana abraça o Ray, impossivel não chorar ao ver este homem, que durante quase 20 anos procurou uma criança, sem saber se era menino ou menina, dar um primeiro abraço á sua filha. Os soluços dele comovem até a pessoa mais rude. A Ana soluça também, uma menina que sofreu a vida toda, sentiu o seu corpo violentado das maneiras mais cruéis, teve "pais" que a maltrataram quando os seus verdadeiros pais sofriam do outro lado do oceano e cruzaram o mundo á sua procura. 

A Carla retorna a si e quando os vê abraçados avança para eles em prantos e agarra a Ana.

- Ana, minha doce Ana. Minha Samantha.- Carla grita como se assim tirasse toda a dor que o seu coração guardou todos estes anos. 

Gail chora abraçada a Jason que também tem o rosto molhado, Grace abraçou o meu pai e ambos choram, as minhas lágrimas molham a minha cara e sinto o braço do meu pai a puxar-me para o seu peito e abraço-o e á Grace.

Que dia o de hoje.