Capítulo 20

1.7K 187 10
                                    

O CAMINHO DO HOTEL até o meu apartamento foi torturante. Fiquei grato porque Valentina estava entre nós ou provavelmente ficaríamos em um silêncio constrangedor até chegarmos ao destino. Por mais que ela esteja tentando disfarçar na frente da filha, sei que sente raiva de mim, tanto por descobrir que eu tinha uma namorada quando nos relacionamos quanto pela minha atitude arbitrária de cancelar sua reserva no hotel.

Valentina ficou deslumbrada com o lugar onde moro desde que chegamos ao condomínio. No momento em que ela vê a piscina e o parquinho, se mostra tão animada que chega a ser contagiante.

– Mãe, nós vamos na piscina, não é? – a pequena suplica assim que descemos do carro, no estacionamento, e eu pego as malas delas.

Eu não entendo como Júlia consegue dizer não a Valentina em algum momento. Se ela fizesse essa carinha de anjo ao me pedir qualquer coisa, juro que não teria coragem de lhe negar nada.

– Não, filha. Nós vamos embora amanhã.

– Por que, mamãe? Coco deixa a gente ficar mais dias, né, Coco?

Júlia se engasga com o ar e eu não consigo evitar um sorriso.

– Claro, princesa. Vocês duas podem ficar quanto tempo quiserem.

Tá veno, mamãe. Nós podemos ficar.

Valentina sai correndo no saguão do prédio e Júlia corre atrás dela, tentando alcançá-la. Entramos em silêncio no elevador, minha mente maldosa começando a pensar mil coisas que eu poderia fazer se estivesse sozinho com ela naquele espaço confinado. Quando chegamos ao meu andar e as portas se abrem, abaixo-me para pegar as malas e nossas mãos se encontram. Júlia me olha por um momento, ressentimento brilhando em seus olhos e então exala profundamente, liberando a mala.

– Elas não estão pesadas. Eu poderia levar. – Solta, com ar vencido.

– E correr o risco de tomar uma bronca de dona Edith e seu Vavá? De jeito nenhum. Eles me ensinaram a tratar bem uma mulher.

– É isso que está tentando fazer?

Encaro-a enquanto abro a porta. Não sei por que, mas algo me diz que a conversa já está caminhando para outro assunto.

– É isso. Não estou conseguindo?

– Ah, está sim. Seu problema é levar ao pé da letra demais. Trata bem a todas as mulheres.

Eu não consigo responder porque meus pais vêm ao nosso encontro. De qualquer forma, faço uma pequena comemoração por sentir uma ponta de ciúmes nela como um claro sinal de que eu a afeto. Ganhar a indiferença de Júlia seria esmagador para mim, principalmente pelo fato de ela estar hospedada em minha casa e termos que conviver inevitavelmente. Não por muito tempo, como ela faz questão de deixar claro.

– Você trouxe Júlia pra cá? – meu pai vibra como um fã quando vê seu ídolo. – Fez bem, filho. Confesso que estava preocupado com elas sozinhas naquele hotel desconhecido.

Ele a abraça forte como se já tivesse muito tempo que não se viam, então pega Valentina no colo, enchendo-a de beijos. Giovana também se aproxima e dá pulos de alegria pela chegada da amiga.

– Olha a coluna, Vavá! – minha mãe o repreende. – Venha, Júlia. Vou te mostrar um dos quartos vazios. Eu não entendo como um homem que mora sozinho pode querer um apartamento de quatro quartos. É um exagero!

Dou de ombros.

– Para momentos como este, mãe. Eu também não quero ficar me mudando quando eu me... – Interrompo o que eu ia dizer, ciente que já não tenho tanta certeza se ainda posso continuar fazendo planos para me casar no momento com minha mente tão confusa.

– Se casar, eu sei, Rocco. – Ela revira os olhos. – Um dia você vai descobrir que nem tudo na vida pode ser parte de um plano e talvez este apartamento já não tenha tanta finalidade como tinha quando comprou.

– Do que você está falando, dona Edith?

– Das lições que você não aprendeu na universidade e que somente a vida pode ensinar. Mas vamos deixar de conversa e alojar nossas hóspedes. Vocês duas estão com fome?

– Não – Júlia responde. – Eu fiz um lanche no hotel.

– Eu tou com fome, mamãe. Quelo comer o lanche do vovô Vavá.

Vovô Vavá? É evidente que essa pequena família está cada vez mais entranhada na nossa.

– Tina, deixe de ser gulosa. Você comeu não faz muito tempo.

– As crianças sentem mais fome que os adultos. – Juro que meu pai nasceu para ser avô. Não lembro de ele me mimar tanto assim na infância. – Vou fazer um sanduiche delicioso para você, bebê.

Minha mãe deixa Júlia no quarto e vai para a cozinha ajudar a preparar o lanche. Encosto-me no batente da porta depois de um tempo, apenas observando-a tirar algumas peças de roupa da mala e dobrá-las sobre a cama.

Não consigo evitar que cada movimento de Júlia se torne sensual aos meus olhos, seu traseiro empinando a cada vez que se abaixa e a forma de seus seios balançando sob a camisa. Lembrar que os tive em minhas mãos enquanto estávamos no hotel deixa-me morrendo de tesão novamente.

– Júlia, precisamos conversar.

Ela salta, pega de surpresa.

– Há quanto tempo está aqui me observando?

– O suficiente para perceber que precisamos nos entender.

Ela meneia a cabeça, negativamente.

– Eu não sei o que você quer dizer sobre nos entender, mas não tenho certeza se quero saber. Por que não deixamos as coisas como estão, Rocco? É apenas uma noite e amanhã eu vou embora. O melhor que fazemos é ficarmos longe um do outro.

– Eu não concordo.

Ela dá dois passos em minha direção e aponta um dedo em minha cara.

– Foda-se sua opinião. Eu não estaria em seu apartamento se você não tivesse cancelado a porcaria da reserva sem minha autorização. Não sou o tipo de mulher que cai na cama de homens comprometidos nem que se coloca em situações constrangedoras. Eu fui morar em Lago da Lua porque queria sossego. Nada mais!

– Até o pior dos criminosos tem o direito de se justificar. Por que não me deixa falar?

Ela fecha os olhos.

– Porque estou cansada de pessoas tentando me enganar com meia dúzia de mentiras e falsas ilusões. Porque não há nada que justifique qualquer tipo de traição. Porque... tenho medo.

Seguro em seus braços, forçando-a a me encarar.

– Medo de quê?

– De acreditar no que tenha a me dizer.

– Júlia...

– Não. Por favor, apenas se distancie. É o melhor para todos.

Eu nunca fui um cara de ficar implorando pela atenção de uma mulher. Não seria essa menina que me faria mudar de atitude agora. Solto seus braços e faço o que ela pede. Me afasto.

– Eu vou porque preciso voltar ao trabalho, mas não pense que acabamos aqui. Não pode me julgar pelas merdas que algum outro homem já fez com você. O que aconteceu entre nós não foi um erro. Você vai entender.

Falo com meus pais na sala, me despeço das crianças e vou para o escritório. Eu espero que ainda tenha muito trabalho para fazer lá, mesmo que já esteja no meio da tarde. Tudo que preciso é manter minha mente ocupada. 

DESEJO INCONTROLÁVELOnde histórias criam vida. Descubra agora