Énovement

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Énovement: a sensação agridoce de ter chegado no futuro, visto como tudo aconteceu, mas não ser capaz de contar para o seu "eu" do passado.

Pov. Camila

– NÃO! – EXCLAMOU Camila de repente, determinada a afastar o passado.

Todos os olhos se fixaram nela.

– Não, o quê? – perguntou Mani.

– Não. Não vou embora – respondeu Camila, girando na direção da igreja e começando a andar, antes que perdesse a coragem.

Os outros se apressaram em segui-la.

– Não precisa fazer isto – disse Selena, tentando manter o passo apesar do vestido justo que se alongava até o tornozelo e dos sapatos se salto fino. 

– Sim, preciso. Essas pessoas são meus amigos e familiares. Eu os convidei – retrucou Camila, determinada.

– Podemos fazer isso por você – disse Mani, se interpondo na frente dela. – Deixe-nos fazer isso. Por favor.

– Quero fazer isso – disse Camila entre dentes cerrados. – Preciso fazer isso.

E era verdade. Sabia que todos se compadeceriam dela e não queria nem precisava da piedade de ninguém. Na verdade, faria tudo para evitar aquilo.

Mani se afastou para o lado lentamente e Camila continuou marchando, decidida na direção da porta da igreja. O ar frio no átrio a envolveu quando ela abriu as portas duplas ornadas. Camila quase tropeçou na saia volumosa do vestido e baixou o olhar para constatar que a cauda ficara presa na porta. Sentiu uma nova ameaça de lágrimas lhe fazer arder os olhos enquanto puxava o tecido para desprendê-lo. Era como se aquela pequena pausa tivesse permitido que a vergonha e a dor a alcançassem. Deus! Não seria capaz de fazer aquilo. Mas tinha de fazer. Por si mesma. E então, deu um passo à frente.

– Espere – disse Mani.

Camila se preparou para responder à amiga com firmeza mais uma vez, mas Mani se limitou a apontar para sua boca.

– Está com batom nos dentes – disse ela em tom de voz baixo.

Camila esfregou o dedo sobre os dentes incisivos e sorriu para as amigas.

– Que tal?

– Ótimo – respondeu Mani, tensa.

Agradecendo com um gesto de cabeça, Camila fechou as mãos sobre o tecido da saia do vestido e o ergueu alguns centímetros para que pudesse se deslocar com mais facilidade.

Um silêncio repentino desabou sobre as 212 pessoas que giraram em seus assentos para ver a noiva ao fundo da nave da igreja. A organista ofegou, surpresa, e automaticamente baixou as mãos ao teclado. Os primeiros acordes de “Here Comes the Bride” entoaram, antes de a mulher afastar as mãos do instrumento e corar intensamente.

A humilhação aqueceu o rosto de Camila quando as notas feneceram. Com o olhar fixo à frente, ela cruzou rapidamente a nave da igreja na direção do altar, onde o padre Baker a observava com expressão compassiva.

Selena e Mani a flanqueavam, com expressões determinadas. Camila não tinha ideia de como estaria o próprio semblante. Concentrava-se apenas em não chorar, vomitar ou fugir. Aquilo era tudo que conseguiria naquele momento.

O padre desceu os três degraus do platô onde se encontrava em direção a ela.

– Camila, minha querida – começou ele, estendendo-lhe a mão.

– Sinto muito tê-lo feito perder seu tempo, padre – disse ela com voz tensa. – Se puder me dar um minuto, eu o deixarei livre.

O pároco a olhou, surpreso, quando ela subiu ao púlpito e se posicionou em frente ao microfone. Acionando o botão lateral do aparelho, inspirou profundamente e ergueu o olhar para finalmente encarar a plateia que aguardava.

A RevancheOnde histórias criam vida. Descubra agora