Gnossienne

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Gnossienne: momento em que você percebe que alguém que você conhece tem uma vida inteira, privada e misterioso.

CAMILA APERTOU a margem do tampo da mesa enquanto Lauren deixava o escritório, permitindo-se registrar o quanto os joelhos estavam enfraquecidos e o corpo tremia com a reação.

Automaticamente, os olhos seguiram aquele corpo esbelto que se afastava, baixando para se fixar nas costas e nos quadris. O jeans desbotado esculpia as nádegas perfeitas que ela se recordava de tempos atrás. Ainda eram extremamente tentadoras, decidiu, imparcial. O tipo de pessoa insolente pelo qual a maioria das mulheres babava.

Todas, exceto ela, claro. Ficara imune para sempre ao suposto charme que Lauren Jauregui tivesse a oferecer.

Camila se atirou na cadeira e olhou para as anotações que fizera. Palavras desconexas e uma mixórdia de rabisco preenchiam a página. Uma ilustração precisa de sua paisagem mental no momento.

Fora pega de surpresa e se sentia sufocada. Aquela mulher era a inimiga. Não a queria na Ocean Boulevard. Como Selena fora capaz de fazer aquilo com ela?

No instante em que o pensamento lhe cruzou a mente, ela o rechaçou. A amiga não tinha culpa alguma. Se Lauren Jauregui não fosse quem era, seria o achado do ano. Na verdade, um grande trunfo em seus baralhos.

Lauren havia sido indicada para um sem-número de prêmios por seu trabalho no The Boardroom. Por mais que aquilo lhe desagradasse, sabia que Lauren era respeitada. Até mesmo admirada.

– Eu devia ser amordaçada com um ralador de queijo – disse ela em voz alta, recorrendo a uma de suas frases preferidas no ensino médio. Por alguma razão, aquilo lhe pareceu adequado.

– Falar sozinha. Segundo sintoma de loucura.

Era Mani que estava se sentando na cadeira que Lauren deixara vaga.

Camila sentiu uma satisfação patética em vê-la e teve de suprimir a ânsia opressora de descarregar toda sua triste saga sobre a amiga.

– Não perguntarei qual é o primeiro sintoma – disse ela, escondendo os rabiscos reveladores na gaveta da mesa.

– Sabe que quase nunca consigo me lembrar? Palmas das mãos peludas? Ou fazer sexo consigo mesmo?

Como sempre, Mani conseguiu lhe extrair um sorriso, apesar da preocupação que a assombrava.

– Desculpe, não tive uma educação católica. – Camila deu de ombros.

– Que pena para você. Se ao menos soubesse o sentimento de culpa que poderia estar suportando diariamente – disse a amiga ao mesmo tempo em que cruzava as pernas. O olhar de Camila foi atraído para os sapatos cor púrpura de salto agulha.

– Ei! Esses são novos – disse ela, desesperada por uma distração.

– Sim. Encontrei-os em um brechó na Sunset Strip – respondeu Mani, presunçosa.

O fato de a amiga estar usando um vestido verde-limão retrô dos anos 1950, com viés branco e cinto poderia fazer a escolha daquele sapato um erro, mas, como sempre, Mani conseguia compor uma aparência elegante.

Camila imaginou que ela parecia nascida com meio século de atraso.

– Então, o que acha da srta. Venos? – perguntou Mani, enrolando uma mecha de cabelos em torno do dedo.

– Eu a odeio – disse Camila, antes de tampar a boca com uma das mãos.

Sinceramente, não pretendera dizer nada. Planejara guardar aquela história para si e tentar elaborar alguma estratégia. Mas as palavras lhe escaparam dos lábios como se tivessem vida própria.

A RevancheOnde histórias criam vida. Descubra agora