Malu

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Malu: constragido, evergonhando, inferior e inseguro perto de alguém superior.

CAMILA SENTIU uma contração muscular involuntária sob um dos olhos, enquanto Lauren Jauregui se inclinava para trás na cadeira oposta e cruzava as mãos atrás da cabeça. Era como se fosse a proprietária do lugar, a rainha de tudo que estava ao seu redor.

Camila se sentia como se estivesse dentro de um globo de neve e alguém tivesse acabado de sacudi-lo com força. Na verdade, se toda a mobília de seu escritório começasse a flutuar ao redor dela, não ficaria nem um pouco surpresa. Sentia-se completamente mareada. Aturdida. Surpresa. Aterrorizada. Furiosa. Na verdade, havia uma miríade de emoções devastadoras lutando por supremacia em seu cérebro. No momento, ela não passava de uma impotente espectadora, esperando para ver qual delas sairia vencedora.

Lauren Jauregui. A Lauren Jauregui. Protagonista de seus pesadelos durante pelo menos cinco anos após aquele tenebroso e devastador baile de finalistas. A mulher eleita como “Provável Candidata a ser Atropelada por um Carro em um Beco Escuro” em seu anuário escolar pessoal.

E agora, lá estava ela. Sentada diante de Camila. Na verdade, esparramada e totalmente à vontade.

Camila tinha vontade de gritar. Não estava preparada para aquela situação. Ainda se encontrava abalada com a traição de Shawn. Aquilo era demais.

Ao longo dos anos, imaginara se deparar com Lauren outra vez. Durante algum tempo, esse fora seu favorito e indulgente devaneio. Em sua versão, estava usando um vestido de alta-costura, com uma aparência deslumbrante, cruzando o tapete vermelho, após receber um Oscar de Melhor Roteiro Original. Lauren estava enfrentando tempos difíceis e trabalhava como guardadora de lugares quando as celebridades necessitavam ir ao toalete. Os olhos das duas se encontravam por um breve instante, antes de ela fluir adiante, ignorando-a completamente. Ou, em sua fantasia alternativa, parava para demonstrar sua compaixão, pedindo que Lauren lhe desse um telefonema, pois estava certa que encontraria alguma ocupação para ela nos escritórios da produção. Esvaziar as cestas de lixo, limpar toaletes, lamber seus sapatos. Aquele tipo coisa.

Em vez disso, a realidade a brindara com uma Lauren Jauregui sentada de maneira arrogante diante dela, fazendo com que o escritório parecesse pequeno e colocando todo seu corpo em alerta vermelho.

Sempre que o incluía em uma de suas fantasias de vingança, Lauren estava sempre barriguda, e com uma acentuada corcunda. Às vezes, acrescentava àquele cenário decepcionante a falta dentes. Por que não, afinal? A fantasia era dela e, portanto, podia imaginar o que quisesse.

Mas, infelizmente, os anos haviam sido gentis com Lauren. Não apenas gentis, mas generosos. Na verdade, muito generosos. Embora tivesse mantido o físico esbelto e imponente. Até mesmo as linhas que lhe vincavam as laterais dos olhos e da boca conseguiam apenas torná-la mais atraente, se aquilo fosse possível. A idiota!

Deus! Detestava aquela mulher. Por um instante, o ódio do passado ameaçou sufocá-la, enquanto a encarava. As coisas que poderia lhe dizer!

Que desejara lhe dizer, anos atrás, quando conseguira atravessar a barreira da mortificação para o ódio. Nos primeiros dias, havia escrito cartas para Lauren. Longas, desaforadas, insultantes que descreviam exatamente sua opinião sobre ela. Talvez tivesse ficado tentada até mesmo a lhe enviar uma delas, se Lauren não tivesse desparecido depois daquele baile. Nunca mais voltara a vê-la depois daquela noite.

Pensara que felizmente Lauren teria desaparecido para sempre de seu mundo até receber o terrível choque de ver o nome dela nos créditos finais de The Boardroom, três anos atrás. Não poderia ser a mesma mulher, dissera a si mesma. Porém, uma sutil investigação através de suas fontes na indústria televisiva revelou que se tratava da mesma pessoa. Aquilo fora o equivalente a ter terminado de comer uma tigela de cereais e descobrir uma barata no fundo. Não, pior, meia barata.

Desde então, Camila procurava se atualizar sobre a vida profissional de Lauren de vez em quando para saber onde ela estava e o que fazia. A mesma coisa que manter a aranha que se instalou em sua casa sob vigilância. E agora lá estava ela, sentada diante dela, exalando confiança como uma miasma e esperando que ela dissesse alguma coisa.

Graças a Deus Selena não lhe contara sobre seu desastroso casamento.

Quase soluçara de alívio quando a amiga fizera aquele sutil movimento negativo com a cabeça para indicar que Lauren nada sabia, além do fato de ela ter viajado ao Caribe. E se houvesse alguma justiça no mundo, Lauren continuaria no escuro. O simples pensamento de Lauren descobrir sobre sua humilhante vida pessoal era suficiente para lhe provocar náuseas.

O silêncio se estendia por tempo excessivo enquanto ela tentava ordenar os pensamentos caóticos e desconexos. Lauren aguardava, com o olhar firme e expressão ilegível. Idiota!

O que mais a desestabilizara fora a forma gentil, adocicada… melhor, derretida, como ela mencionara que as duas haviam estudado juntas e mencionara a dúvida sobre Camila se lembrar dela ou não. Como se a crueldade com que a tratara não tivesse sido um dos momentos cruciais de sua existência.

O pensamento de que o modo como Lauren a tratara não aparecia no radar pessoal de Lauren foi o catalisadora para que ela recuperasse a determinação.

A última vez em que vira aquela idiota, Lauren se esmerara em humilhá-la em grande estilo.

Lauren não teria uma segunda chance.

Aprumando os ombros, Camila limpou a garganta.

– Suponho que tenha entrado para a equipe na semana passada, certo? – perguntou.

Para encorajar a ilusão do profissionalismo, pegou um bloco e uma caneta esperando desesperadamente que as mãos não estivessem trêmulas.

– Sim. Basicamente peguei do ponto onde Joss parou. A equipe é ótima, no controle de tudo – disse Lauren.

Camila experimentou um arrepio diante da forma presunçosa como que ela fez o elogio. Como se tivesse sido ela a escolher e treinar a equipe pessoalmente e não Camila. Como se estivesse dizendo algo que ela não soubesse.

– Sim, é uma ótima equipe. Muito experiente. Fiquei surpresa que Selena não tenha considerado escolher um deles para segurar o rojão até o retorno de Joss.

No instante em que as palavras lhe escaparam dos lábios, Camila soube que cometera um erro tático. Para começar, nenhum dos membros da equipe estava no estágio de assumir o programa de imediato. E Lauren saberia disso após passar uma semana com eles. A Idiota!

Segundo e mais importante, acabara de entregar seu jogo. Lauren sabia que ela não a queria ali. Podia ver aquilo refletido nos olhos verdes, juntamente com o fato de que não dava a menor importância à sua opinião.

– Acho que deveria conversar com Selena sobre isso – Lauren deu de ombros, extremamente frio.

Camila engoliu em seco o xingamento que instintivamente lhe veio aos lábios.

– Já que você se adaptou tão bem, é melhor irmos direto ao que interessa – disse ela com voz tensa, determinada a não lhe dar mais nenhuma vantagem.

– Claro. Quer que eu recapitule os episódios da última semana ou teve oportunidade de lê-los antes de voltar? – perguntou Lauren.

Camila resistiu à ânsia de lhe dar uma resposta defensiva, culpando o voo atrasado pela sua falta de preparo. Ela era a chefe de Lauren e não o contrário.

– Basta me atualizar sobre os pontos principais – respondeu, calma.

– Claro.

Inclinando a cadeira um pouco para trás, Camila juntou as pontas dos dedos das duas mãos e tentou uma expressão confiante e controlada.

Qualquer coisa para sobreviver àquele primeiro encontro com a dignidade intacta.

A RevancheOnde histórias criam vida. Descubra agora