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No dia seguinte, tive de ir pra Campinas fazer matrícula na Unicamp e acabei ficando uma semana. Quando voltei, ela não havia ligado. Peguei o telefone dela, fiquei olhando, olhando e imaginando como seria ela num cinema, num boteco, nuna festa. Será que ela dança legal? Será que puxa fumo? Estuda? Amassei o papel. Decidi deixá -la na estrada, no fundo da imaginação. Era mais bonita assim. Nunca mais a procurei.

Foi na estrada, um ano depois, voltando de Ubatuba que cruzei com ela num posto da Dutra. Eu estava imundo, com o cabelo enorme, bem queimado do sol. Eu e mais quatro surfistas, num opala velho do cabeção. Um carro engraçadíssimo, quatro portas cor de abóbora, caindo aos pedaços, que a gente chamava de Lucio Flávio, pois parecia que íamos assaltar um banco.

Pra contrastar, a menina estava animadíssima, com um boyzinho do lado, vindos de São Sebastião num Passat todo bonitinho. Quando ela me viu, abriu um lindo sorriso.

- Como vai, protetor? Estava com saudades.

Peguei um sanduíche e, enquanto todos estavam sentados num balcão eu, como quem está querendo ficar sozinho, fui pra uma mesa. De longe, fiquei encarando. O boyzinho não parava de falar, e ela, de longe, só me olhando. Devia se lembrar da nossa viagem. Pegou sua comida e veio até a mesa, deixando o outro com cara de tacho. Sentou-se e perguntou:

- Ainda gosta de mim?

Peguei na mão dela e disse:

- Claro que sim

Ficamos quietos, meio sem assunto. Mas foi melhor assim. O que eu ia dizer? Minha vida? Tava tudo tão diferente, moramos sozinhos em Campinas, universitário, namorando firme a ciumenta da Marina.

- Você ainda toca violão?

- Toco. Muito mais que antes.

Ela estava mais branca, assim meio burguesa, mas ainda tinha aquele olhão verde e dois peitões gostosos.

- É seu namorado?

- Mais ou menos.

Contínua esquizofrênica-paranoica. Como mais ou menos? Odeio gente que responde mais ou menos. Fala que é uma transa, um caso sem interesse, mas nunca mais ou menos.

- Bom, tá na hora de ir embora.

- É, pois é...

Pensei em dizer o velho "me procura". Mas não ia adiantar, nosso caso é o que se pode se chamar de amor das estradas. Ela se levantou, abraçou-me e me deu um beijo delicioso. Virou as costas, pegou o boy e nunca mais vi aquela carinha bacana.

Uma vez no Rio, eu estava de férias passeando no carro da Nesita, quando parou um ônibus ao meu lado. Olhei e tinha uma menina linda me olhando. Dei uma piscada pra ela e ela retribui com um beijinho. Então dei uma lambida nos meus lábios e ela me fez uma careta. Depois rimos, e, quando o ônibus partiu, ela mandou um tchauzinho bem íntimo. Fiquei morrendo de vontade de parar o carro, subir no ônibus pra conhecer a garota. Deve ser uma menina legal, pra corresponder assim a uma brincadeira. Mas deixa ela ir embora. Pode ser que uma palavra estrague tudo. Essa cena nunca mais saiu da minha cabeça, nem o rostinho bonito dela. Eu a amei assim como amei a Pamella. Na minha vida existem lugares, cenas, palavras que eu amo com um grande respeito. Como eu amei um orelhão de esquina que tinha perto da minha casa campineira. Como amei D.Margarida, minha professora de português em Santos, tanto que cheguei a arrancar a tampa da mesa onde ela dava aula, só pra ver as pernas dela. E como dizia Vinícius de Moraes, mais ou menos assim: O amor não é para ser eterno, mas sim infinito enquanto dure.

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