P/(TRÊS)

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E minha fama de garanhãozinho (que insisto em dizer que não é verdade) chegou aos ouvidos da morena linda. Bolei um plano para desfazer essa fama, isto é, explicar pessoalmente a ela que eu estava ficando chateado com esse papo de garanhãozinho, de gostosão. Que eu não era assim. Era tão carente e inseguro quanto a maioria. Não era uma tática sacana, mas simplesmente um jogo sincero. Peguei a bicicleta da Vera, pus meu cachecol e uns óculos escuros, e fui pra casa dela. 

Meu primeiro erro: pra que esta fantasia ridícula, cachecol, se não estava frio, e óculos escuros, se não tinha sol? Só pra me mostrar. Besteira. Chegando lá, ela estava de toalha lendo, deitada. Tinha acabado de tomar banho e me recebeu hiperbem. Legal. Como eu sei que, quando uma pessoa me conhece, me acha um cara metido a besta, eu estava fazendo de tudo pra não passar essa impressão. Segundo erro. Estava representando, falso. Gaguejava. O plano de ser sincero se inverteu. Eu estava mentindo. Saí de lá arrasado, com a certeza de que ela tinha me achado um babaca. Sempre que encontrava com ela, imaginava que no fundo de sua cabeça ela devia estar pensando:

— Que saco este cara. Metido, idiota, todo convencido, só porque toca violão bem, se acha todo gostosão.

O tempo foi passando. Tive outras mulheres, e ela, outros homens. Um dia, já morando com Nana, confessei o amor que eu sentia pela Virgínia e a impressão que ela me dava de não gostar de mim. A Nana achou graça e me falou que eu estava dizendo uma tremenda bobagem. Elas conversavam muito e a morena havia lhe dito que me achava um cara legal e que ela é que achava que eu não gostava dela. Vejam só, o que é uma cabeça encanada. 

Eu achando que ela não gostava de mim, acabei dando a impressão a ela de que eu não gostava dela. Dei um pulo de alegria. Já estava cheio dessa paixão engasgada. Aquela noite teria uma festa, e eu me declararia. Tinha que pôr pra fora, não importava nem mesmo que recebesse um fora. Ia ser bom tirar esse nó da garganta.

Me preparei, peguei o Olaf na chácara, e fomos de moto. Era uma festa boba, meia dúzia de pessoas dançando Milton Nascimento e umas cem na cozinha, bebendo e comendo. Fiquei dançando com a Nana e, ao meu lado, estava ela, linda, dançando com o Olaf. Estava toda de preto, entretida com o Olaf. Fiquei com ciúme mas deixei os dois, pois sabia que eu era melhor que o Olaf (pelo menos, tocava violão melhor). Final da festa, eu não sabia mais de nada. A imagem dos dois saindo da festa de mãos dadas ficou na minha retina. Fiquei tonto. Bebi até vomitar. Triste fim de uma paixão, e com um dos meus melhores amigos. Que jeito?

Pedi para minha avó deixar entrar um de cada vez. Primeiro veio o Olaf.

— E aí, canastrão? — eu sabia imitar perfeitamente a voz dele e seu sotaque carioca. Ele sorriu, me deu um beijo e contou que estava indo pra Recife conhecer o sogro e a sogra. Xinguei-o (ele sabia da minha paixão pela sua namorada) e mandei-o tratar bem da menina, senão eu levantava da cama e dava um pau nele. Contou-me que havia alugado uma casinha em Barão, e iriam morar só ele e a Virgínia. Era a antiga casa do Otaviano. Desejei-lhe boa sorte, disse que morria de inveja. Me deu um abraço emocionado e saiu.

Finalmente entrou a danada. Estava linda. Bem queimada do sol e com uma camiseta sem sutiã. Eu adoro mulheres que usam camisetas sem sutiã, e ela é especialista nesse traje. Lembrei-me de umas fotos que o Olaf tinha feito dela, nua. Lindas fotos. Achei um barato ela ter posado nua pra ele, e o cara manjava de fotografia (ganhou prêmio e tudo). Ele não mostrava pra ninguém, uma atitude que respeito. Olhei pra ela e lembrei dos seios da foto. Senti vergonha da minha feiúra. Minha careca, minhas espinhas. Caspas, caninhos no pinto. Corpinho parado, branco, sem vida alguma. Ela me deu um beijo na boca (não me lembrava dela ter me beijado assim antes). 

Disse que eu estava bonito, com uma cara boa. Disse também que eu estava transmitindo uma puta força pra ela com a minha luta. Disse também que me respeitava pela coragem que estava tendo. Engraçado que eu não tinha coragem nenhuma, simplesmente não podia fazer outra coisa senão enfrentar. Falei que ela estava linda e que era uma das garotas que mais curtia. Ela gostou e fez um carinho na minha cabeça. Falei que me orgulhava de sua personalidade forte, que a maioria das mulheres era muito passiva. Ficamos um tempo nos elogiando até que acabou o assunto. Ficamos quietos, um olhando pro outro. Não tinha vontade de dizer nada, só olhar pra ela.

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