Capítulo 26

78 2 0
                                    


    A Teté me emprestou uma televisão incrível. Era mínima e em cores. Desses milagres da tecnologia japonesa. À noite, colocaram-na na mesinha, e, com meus óculos malucos, podia   vê-la.

Minha vida estava ficando ótima. Televisão é o tipo do negócio que faz o tempo voar.Ligaram-na. Mas fazia uns quatro anos que não via televisão. Campinas absolutamente não combinava com televisão. Às vezes, ela fazia falta. Por exemplo, na Copa do Mundo de 78, ninguém em Campinas tinha televisão. Alguns acompanhavam o jogo pelas lojas de eletrodomésticos. Eu acompanhava no 437, um restaurante bastante fuleiro na minha rua, mas com comida barata. Tinha uma televisão velha pendurada na parede, e nós, já fregueses da casa, ficávamos na melhor mesa. Juntavam todos os estudantes e aposentados do Vila Nova.

  Um dia, a mãe do dono morreu, conosco jantando lá, e ele foi obrigado a fechar o bar. Era o último jogo da semifinal. A Argentina precisaria vencer o Peru por quatro a zero, senão o Brasil estaria na final. Ficamos em casa, ouvindo o jogo por um radinho de pilha. E não dava pra acreditar: a Argentina fez um, dois, três, quatro, cinco e, tchan-tchan-tchan-tchan, seis gols. Precisávamos ver as imagens, não era possível, o locutor poderia estar nos enganando. Foi um gelo, e logo com os argentinos, odiados por todo o Brasil.

Não conseguia me concentrar na televisão. Tá certo que ela era muito pequena, mas era a falta de costume. Não dava importância àquelas imagens. O som estava desconexo, metálico. Logo percebi que era falta de prática. Teria que ver bastante televisão, pro tempo passar mais depressa. Mas naquele primeiro dia, era difícil. A Veroca seria minha acompanhante, porque ela é uma verdadeira especialista em relaxamento, do-in, o que eu precisava pra dormir, já que os remédios não estavam adiantando.

E, realmente, não adiantaram. Mais uma noite sem conseguir dormir. Já tinha tomado dois sedativos, e nada. Tensão, ansiedade, insônia. Veroca fez relaxamento, com atenção especial na barriga. Estava doendo, e ela tentava dissipar o ponto de tensão do centro de gravidade do corpo. Nada. Relaxamento na cabeça. Nada. Ligou o rádio, batemos papo, apagou a luz. Nada. Precisava daquela injeção. Pedi para o enfermeiro de plantão, e ele me perguntou se estava doendo.

— Eu não aguento de dor. (Mentira!)

Ele me falou que aquilo era uma droga muito forte, e só em casos excepcionais ele aplicava.

— Por favor, eu não aguento.

E chorava alto, desesperado, me debatia na cama. Gemia de dor imaginária. Queria dormir, morrer por algumas horas. Finalmente, ele se convenceu e me aplicou aquela coisa maravilhosa. Que efeito, que joia, é maravilhoso querer e poder. Eu amo você, amo quem inventou você. Liquidozinho, vença meu corpo, vença meu cérebro, que não para de pensar. Você domina o filho de deus, é mais forte que a própria vida. Insuspeita, na sua reação, é a própria morte, inexplicável, destruidora...

Feliz Ano Velho Onde histórias criam vida. Descubra agora