Outra crise

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Tive outra crise. Essa foi brava.

--Pelo amor de Deus, faça alguma coisa!-eu disse

--Calma, Marcelo-falou a Ilma,de mão dada.

-- Mexe comigo, balança esse colchão d'água. Isso, mais, eu não aguento!

-- Tenha um pouco de paciência.

-- Quanto falta pra tomar o remédio?

-- Mas faz uma hora que você tomou. Fique calmo que o tranquilizante deve estar fazendo efeito agora.

-- Merda! Esses remédios já não fazem efeito, devo estar imune.

Precisava descarregar essa energia acumulada.Balançava os braços, virava a cabeça, mas nada. A porra da dor de barriga não parava. Eu tava tonto de tanto ficar na mesma posição. Pedi pra Ilma inclinar um pouco a cama.

-- Aí nessa manivela.

-- Não pode, sua coluna não está calcificada ainda.

-- Claro que pode. O Dr. Alex falou, hoje de manhã, que agora tem que, de hora em hora, ergue um pouco a cama( sempre fui mentiroso).

-- Mas não tem nada prescrito aqui.

-- Por favor, levanta logo, só um pouquinho, senão eu vou ficar louco.

-- Tá bom, só um pouquinho.

E foi rodando a manivela bem devagarinho. Minha cabeça foi levantando, mas parecia que tinha um FNM me atropelando. Tava tudo duro. Começou a faltar ar.

-- Volta, volta, não dá.

Não deu mesmo, era loucura minha. Estava absolutamente proibido de levantar a cabeça. Tinha que aguentar, ter a maldita da paciência, palavra que mais ouvi neste tempos de UTI.
"Pense em alguma coisa, Marcelo, um dia qualquer de sua vida, um momento de amor."
  Foi então que me lembrei da Lúcia de Búzios. O sobrinho do dono da casa em que eu estava hospedado em Búzios tinha morrido, e ele deveria voltar imediatamente pra SP. Só que tinha que levar a outra hóspede, já que havia prometido pro pai dela. Mas não tinha lugar no avião. Logo, ele me pediu:

--Eu dô a grama do ônibus e você leva a menina.

-- Tá legal.

Por mim, tudo bem, eu tinha mesmo que voltar, pois entrará na Unicamp e precisava fazer a matrícula. Era uma menina de dezesseis anos que conheci no dia de irmos embora. Lúcia, seu nome.

-- Então, você é o meu protetor?

--Mais ou menos.

-- Por que a gente não faz o seguinte: vamos de carona até o Rio e economizamos dinheiro. Depois a gente gasta em São Paulo.

Gostei da ideia, aventura é comigo mesmo.
Fui com a cara dela. Bonitinha, um cabelo castanho, olhos verdes. Meio peituda, mas eu adoro mulheres peitudas. Fomos para a estrada. O primeiro carro passou, parou. Era uma Alfa, com um casal de cariocas, jovens m, desses ricos que passam o verão em Búzios andando de lanchas e cheirando pó. Logo a peituda nos apresentou como marido e mulher.

-- Mas tão jovens?

-- É, casamos há um ano, já temos até um filho.
( cara de pau essa menina!)

Ficou a viagem inteira só contando mentira. À princípio fiquei desconfiado do que estava protegendo uma paranóica depressiva esquizofrênica. Mas cada vez gostava mais do jeito sacana dela. Ela contava as besteiras e eu era obrigado a confirmar. Chegou a falar que nosso primeiro beijo fora no ar, já que os dois saltavam de pára-quedas. Que imaginação fértil! O casal se deliciava com as imaginativas história. Só porque eu estava com o violão, ela falou que eu era o guitarrista do Raul Seixas. Imagine só! Eu que não sabia tocar nenhuma música do cara, tive que inventar na hora, já que a mulher pediu.

-- Toca aquela da mosca que pousa em uma sopa.

Feliz Ano Velho Onde histórias criam vida. Descubra agora