Continuação

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Falando na danada, é ela quê aparece agora.
Todos estavam morando em casa e ninguém estava muito disposto a viajar, pois queriam ficar perto de mim. Lindo. Até a gorda, quê tem os pais aqui hein São Paulo, estavam em casa. Havia trazido o jornal hoje óculos pirados, aqueles quê  mesmo deitado, dá pra ver na horizontal, como um periscópio. Puseram uma mesa no meu colo e...

  Incrível , tava dando pra ler. Só um pedaço, mas com alguém ao meu lado, ia  orientando:

--- Um pouco mais pra esquerda.

---Vira a página.

Que ótimo, poderia ficar lendo o dia inteiro. Jornais, revistas , livros. Quem sabe até estudar um pouco, para não perder o ritmo. Vitória, passa o tempo enfim !
 
  Começaram a chegar as visitinha. Em vez de bilhetinhos , como na UTI, muitos vieram ao vivo. Emocionante! Amigos, amigas, tias, irmãs. Curiosos. Parecia um bar.  Cassy, brincando,ficou servindo salgadinhos imaginários para as pessoas.

--- A madame deseja um?

Chato que não dava para falar com ninguém direito. Chegava um , cumprimentava. A maioria me beijava, até os machos . Não entendia este Fascínio que eu estava tendo para as pessoas.
Olhavam-me com uma cara de alucinados, como se estivesse sendo hiperimportante me ver. Acho que quem está de fora sabe medir o problema melhor do que quem está dentro. Para mim, era uma questão de tempo, mas, para eles, era de luta.
Comprimentavam- me efusivamente.
Pegavam no meu braço, apertavam , sorriam em me ver , e por fim me beijavam. Recebi muito beijo melado de tias exageradas de batom, e beijos de machos amigos meus quê até então tinham uma outra relação de carinho, quê não passava de um aperto de mão e, raramente, dê um abraço. Com o Ricardo, sempre tive cumprimentos exóticos. Xingava-o , pegava no pinto dele e dizia:

--- Oi, querida.

Com o Fabião eu dava um pulo nele, como se estivesse comemorando um gol. A Gorda, eu pegava na barriga, nos seios dela, que são deliciosos, e beijava. O Cassy era como jogador de basquete americano:

— Hi, man, how are you?

— Yé!

Enfim, cumprimentavam-me e iam para o canto do quarto encontrar alguém conhecido. Um ou outro ficava comigo. A Nana, sempre ao meu lado, geralmente pegando na minha mão. Faziam uma barulheira grande, mas era bom. Importante ter muita gente que gosta de mim, principalmente agora. Quem já não deu uma de doente, pra deixar todo mundo preocupado?     Uma vez, no Rio, um amigo meu quebrou a perna esquiando na Suíça (finíssimo), e, no colégio, todos o ajudavam. Ele andava com uma bengala charmosíssima, geralmente apoiado no ombro da Carla. A musa do colégio, minha primeira paixão platônica. Aliás, isso é uma tremenda fraqueza minha: sempre me apaixono pelas musas, isto é, as mais desejadas do colégio. E é claro que sempre me dava mal. Só na Unicamp que a musa virou pro meu lado.

Não sei se eu estava bonito na época, ou se minhas músicas a encantavam. Mas logo no primeiro ano transei com a musa das Humanas, o que me deu vários inimigos, pois fazia Engenharia. A Maira era da Libelu (tendência política do movimento estudantil), uma morena com os lábios em forma de pêssego. Um tesão.

Dei muita sorte na Unicamp, com um sorriso bonito e esse meu machismo liberal. É a minha grande arma, meu sorriso. Não que eu tenha descoberto isso, mas várias garotas se deixaram seduzir por ele. Depois me contavam. É claro que eu comecei a dar mais importância, já que passei grande parte da adolescência com uma incrível incapacidade de me aproximar de mulheres. Ensaiava com o Richard como seduzir uma garota. Ele vestia uma roupa de mulher, sentava na cama. Eu entrava no quarto como quem está entrando numa festa. Olhava pra menininha sentada (Richard), dava um sorriso, sentava ao lado e começava a ensaiar os papos furados:

— Oi, tudo bem?

— Tudo bem (geralmente o Richard caía na gargalhada).

— Sabe que você é linda?

Ele tinha me ensinado a técnica de pôr a mão no ombro ou nos cabelos. Eu achava melhor, despretensiosamente, ansiosamente, pôr a mão na perna. Discutíamos as investidas e, finalmente, a luta por vencer a timidez, antes de dar o primeiro beijo. Uma vez eu vi um filme do Woody Allen em que ele estava paquerando uma mulher. Saíram, se gostavam. Daí, quando os dois andavam pela calçada, ele virou, pediu licença e lascou um beijo. Depois disse:

— É pra já ir facilitando as coisas.

O Bino tinha inventado uma técnica que comigo nunca deu certo. Ficar beijando no rosto e, se ela virar, pronto, já está com uma namorada. A minha melhor técnica é na despedida. Quando um dos dois se propõe a ir embora, imediatamente faço dois ou três elogios, fico bem pertinho e, na despedida, não ofereço a bochecha e sim a boca.

OBS.: Repare na qualidade pedagógica deste livro...

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