Capítulo 5

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Eles caminharam em silêncio.

De vez em quando, a Bia dava uma olhadinha de lado, examinando seu improvável, mas não impossível, futuro assassino. Os cabelos dele eram escuros e bem curtos, o rosto delineado por linhas fortes, olhos sérios e o queixo quadrado coberto pela barba por fazer. Ao pararem embaixo de um poste esperando uma brecha no trânsito para atravessar a rua, a Bia percebeu a cicatriz fina do lado do olho direito. Não era uma beleza clássica como a do Diego, e uma palavra pulou na sua cabeça.

Sexy.

Nada disso, dona Bia, ela pôs as mãos imaginárias nos próprios ombros e se sacudiu, você ainda tem namorado.

Seria falta de educação perguntar se faltava muito? Ele disse que morava perto, mas era porque ele não ia trabalhar de salto alto, e ela já estava a ponto de se aventurar descalça pelas calçadas de Copacabana. Antes que ela abrisse a boca, ele parou perto de um morador de rua dormindo enrolado num cobertor, em cima de um papelão tão imundo que mal dava para ler a marca do fogão em letras que um dia devem ter sido vermelhas.

O garçom se abaixou e tocou o ombro do homem com uma delicadeza improvável numa pessoa com tantos músculos.

— Lôro, mermão. — O homem sentou e esfregou os olhos. — Eu achei que tu ia falhar.

O moreno que todo mundo chamava de Lôro tirou uma garrafinha de água mineral e uma embalagem de isopor da sacola e deu para o morador de rua.

— Eu tive que ficar até mais tarde. Foi mal.

— Qualé, mermão, tu é o único que me dá comida. Qualquer hora é hora. — O homem abriu o isopor com um sanduíche, cercado de batata frita, que ele agarrou com as mãos sujas e atacou com violência.

Enquanto os dois conversavam, os olhos da Bia se encheram de lágrimas. Pelo jeito o garçom não gostava de ajudar só mulheres bêbadas que queriam dirigir. Ele podia ter passado direto, dar o sanduíche extra para ela e ficar com um inteiro para ele mesmo.

A Bia se sentiu pequena nas roupas caras, carregando uma bolsa que dava para comprar muitos e muitos sanduíches iguais aquele. Não que ela precisasse vender a bolsa, a mesada que o pai depositava na sua conta todo mês era bastante generosa, e ela nunca tinha se preocupado em alimentar alguém com fome.

— A de hoje é mais gata que a de ontem. — O homem olhou para a Bia.

Ela secou o rosto rapidamente quando o rapaz olhou para trás com uma gargalhada. O peito dela se apertou com a descoberta de que ele levava garotas para casa com frequência. O álcool tinha mesmo efeitos super esquisitos e malucos, como querer ser a única mulher na vida de um cara que você acabou de conhecer.

— Valeu pela força, mermão, mas ela é só uma amiga.

Amiga.

Homens e mulheres nunca deviam usar essa palavra para se referir uns aos outros. Todo mundo sabe que não existe amizade entre homem e mulher.

— Eu já fui jovem — o homem falou com a boca cheia, pedaços de pão caindo para todo lado. — Eu saco bem essas paradas de amizade.

Viu? Ela quase gritou.

— Amanhã eu trago mais. — O garçom se levantou.

— Eu vou tá na área — o morador de rua disse e enfiou um punhado enorme de batatas na boca de uma vez.

A Bia se despediu dele com um aceno de longe e voltou a acompanhar o rapaz.

— Você sempre faz isso? — ela perguntou depois que os dois se afastaram um pouco.

Mau Amor [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora