Eles caminharam em silêncio.
De vez em quando, a Bia dava uma olhadinha de lado, examinando seu improvável, mas não impossível, futuro assassino. Os cabelos dele eram escuros e bem curtos, o rosto delineado por linhas fortes, olhos sérios e o queixo quadrado coberto pela barba por fazer. Ao pararem embaixo de um poste esperando uma brecha no trânsito para atravessar a rua, a Bia percebeu a cicatriz fina do lado do olho direito. Não era uma beleza clássica como a do Diego, e uma palavra pulou na sua cabeça.
Sexy.
Nada disso, dona Bia, ela pôs as mãos imaginárias nos próprios ombros e se sacudiu, você ainda tem namorado.
Seria falta de educação perguntar se faltava muito? Ele disse que morava perto, mas era porque ele não ia trabalhar de salto alto, e ela já estava a ponto de se aventurar descalça pelas calçadas de Copacabana. Antes que ela abrisse a boca, ele parou perto de um morador de rua dormindo enrolado num cobertor, em cima de um papelão tão imundo que mal dava para ler a marca do fogão em letras que um dia devem ter sido vermelhas.
O garçom se abaixou e tocou o ombro do homem com uma delicadeza improvável numa pessoa com tantos músculos.
— Lôro, mermão. — O homem sentou e esfregou os olhos. — Eu achei que tu ia falhar.
O moreno que todo mundo chamava de Lôro tirou uma garrafinha de água mineral e uma embalagem de isopor da sacola e deu para o morador de rua.
— Eu tive que ficar até mais tarde. Foi mal.
— Qualé, mermão, tu é o único que me dá comida. Qualquer hora é hora. — O homem abriu o isopor com um sanduíche, cercado de batata frita, que ele agarrou com as mãos sujas e atacou com violência.
Enquanto os dois conversavam, os olhos da Bia se encheram de lágrimas. Pelo jeito o garçom não gostava de ajudar só mulheres bêbadas que queriam dirigir. Ele podia ter passado direto, dar o sanduíche extra para ela e ficar com um inteiro para ele mesmo.
A Bia se sentiu pequena nas roupas caras, carregando uma bolsa que dava para comprar muitos e muitos sanduíches iguais aquele. Não que ela precisasse vender a bolsa, a mesada que o pai depositava na sua conta todo mês era bastante generosa, e ela nunca tinha se preocupado em alimentar alguém com fome.
— A de hoje é mais gata que a de ontem. — O homem olhou para a Bia.
Ela secou o rosto rapidamente quando o rapaz olhou para trás com uma gargalhada. O peito dela se apertou com a descoberta de que ele levava garotas para casa com frequência. O álcool tinha mesmo efeitos super esquisitos e malucos, como querer ser a única mulher na vida de um cara que você acabou de conhecer.
— Valeu pela força, mermão, mas ela é só uma amiga.
Amiga.
Homens e mulheres nunca deviam usar essa palavra para se referir uns aos outros. Todo mundo sabe que não existe amizade entre homem e mulher.
— Eu já fui jovem — o homem falou com a boca cheia, pedaços de pão caindo para todo lado. — Eu saco bem essas paradas de amizade.
Viu? Ela quase gritou.
— Amanhã eu trago mais. — O garçom se levantou.
— Eu vou tá na área — o morador de rua disse e enfiou um punhado enorme de batatas na boca de uma vez.
A Bia se despediu dele com um aceno de longe e voltou a acompanhar o rapaz.
— Você sempre faz isso? — ela perguntou depois que os dois se afastaram um pouco.
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Mau Amor [Concluído]
RomanceQuem nunca se enganou com uma pessoa? Aceitou primeiras impressões só para descobrir que não era nada daquilo? Ou será que era? Bia está longe de ser uma princesa, mas quando o príncipe encantado aparece em sua vida, ela resolve lhe dar uma chance...