Capítulo 1

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Anahi Portilla roía a unha do polegar enquanto lia em voz alta, pela terceira vez, as instruções para o uso de sua nova secretária eletrônica, na esperança de que as palavras enfim fizessem sentido. Anahi soltou uma blasfêmia que não estava no manual, embora tencionasse ligar para a companhia telefônica e sugerir que incluísse instruções mais claras. Isso depois que recebesse o sinal de que o aparelho estava mesmo ligado.
Anulou tudo o que fizera anteriormente e começou de novo. Após noventa minutos e seis unhas roídas ela conseguiu o sinal e deu um grito de alegria.
Para cantar vitória deu uns passos de dança no tapete e jogou longe o manual que foi cair perto do aparelho de vídeo que, depois de três anos, ainda marcava o meio-dia. Graças ao bom Deus estivera desligado durante o temporal que deixara seu telefone mudo.
Receosa de que o aparelho parasse de funcionar de novo, Anahi deitou-se no sofá e ligou para sua amiga Dulce.
— Escritório de escravos — Dulce respondeu.
— Você é impossível — Anahi disse, rindo. — E se fosse o dr. Halbert, precisando de seu serviço?
— Eu não aceitaria trabalhar esta noite mesmo que fosse a pedido dele. Não vou perder o show dos rapazes, por nada no mundo. E quero que você vá comigo.
— Sobre o show... — Anahi limpou a garganta.
— Oh, não, Anahi Giovanna Portilla, não vai me negar esse pedido. Você prometeu que iria.
— Como encontrou meu segundo nome? O Giovanna?
— Por que esconde tanto isso? Contarei seu nome a todas as enfermeiras do hospital onde você trabalha se não for ao show comigo esta noite. Maite vai ficar furiosa se não aparecer.
— Maite que vá para o inferno.
— Ora, vamos, Anahi, divirta-se um pouco. Tem receio de que Manuel não queira que você veja homens musculosos seminus, e transpirando?
— Não. Manuel estará trabalhando até tarde. E já disse que não se importa se eu for ao show.
— Santo Deus, amiga. Realmente pediu licença para ele?
Com franqueza, secretamente Anahi esperara que Manuel ficasse com um pouco de ciúme, em especial considerando-se que ela nunca o vira nu, mesmo depois de dez meses de namoro. Mas em vez de enciumado, Manuel parecera surpreendido, e logo acrescentara que não era o tipo de homem ciumento.
Confiava nela, afinal. Que benevolente!
— Pedir-lhe para ir ao show foi somente um ato de consideração, Dulce — Anahi explicou à amiga.
— Foi uma atitude comovente a sua. Afinal, o homem não é o dono de seus orgasmos.
E você vem me dizer isso?! Como se eu não soubesse!
— O que vai fazer esta noite? — Dulce acrescentou. — Dormir?
Anahi gostaria muito de ir dormir. Mas já sentia os sinais da insônia e tinha certeza de que ficaria a maior parte da noite de olhos abertos.
— Talvez programando os números de telefones em minha nova secretária eletrônica — Anahi respondeu.
— Mas isso não levará mais do que dez minutos.
— Levará muito mais, para uma analfabeta em eletrônica como eu.
— Chega! Espero você daqui a uma hora em minha casa. Venha com uma cara alegre e traga muitas notas de um dólar.
Anahi sussurrou um adeus e procurou o botão de desligar.
Após muita procura, apertou por engano o botão "falar", e surpreendeu-se ao encontrar os números dos telefones que mais usava: o de Manuel, de Dulce, de sua mãe e irmã, de várias amigas, do pessoal do hospital, do entregador de pizzas, do restaurante chinês, do tailandês, do mexicano. Anahi aproveitou a chance e acrescentou mais dois ou três números.
Ela enxugou o suor da testa com a barra da camiseta. Levantou-se e começou a andar pela sala, abrindo as janelas a fim de que o ar de seu apartamento no terceiro andar pudesse ficar menos estagnado.
Fora, as ruas estavam movimentadas, os faróis acesos dos carros ajudavam a clarear tudo, e as buzinas eram ensurdecedoras. Todo o mundo parecia ávido por sexo naquela noite quente.
Incluindo Anahi Giovanna Portilla.
Ela suspirou e pressionou o nariz na tela da janela. Mesmo as pessoas de seu relacionamento, as mais próximas, ficariam surpresas se soubessem que a circunspecta enfermeira suspirava por sexo.
Seria ela ninfomaníaca? Talvez, mas não era promíscua, isso não. Na realidade tinha até fama de ser um tanto puritana o que, Anahi descobrira anos mais tarde, era a proteção que adquirira contra a tendência perigosa que tinha. Simplesmente recusava ceder aos desejos de seu corpo inquieto por sexo.
Oh, houvera alguns encontros com colegas da universidade, e um ou dois breves relacionamentos desde então. Mas esses homens não a empolgaram, não invadiram seu mundo secreto. Ela foi à cozinha e abriu a geladeira, suspirando com alívio quando o ar frio beijou-lhe a pele. Ergueu a camiseta a fim de se refrescar e pegou uma banana.
Olhou para a fruta e suspirou. Tudo lhe parecia fálico naqueles dias. Imergindo no trabalho, ela conseguira controlar suas necessidades urgentes...até um ano atrás. Agora, aos trinta anos de idade, por alguma razão hormonal, quem sabe?, ou pelos anos de repressão, ou por causa do horrível calor que fazia, seu corpo se rebelava.
Anahi sempre assumira que um dia se casaria, mas queria encontrar o cavalheiro perfeito e se guardar até esse dia. Achou que Manuel Velasco poderia ser esse candidato: rapaz atraente, de sucesso na vida, de boas maneiras, inteligente e amável. Gostara imensamente dele. Porém após alguns meses de convivência chegara à conclusão de que o homem não tinha interesse em dormir com ela.
Anahi considerava-se madura para a cama, e ele parecia muito contente em passear pelo parque. Mas, na verdade, era mais do que sexo o que ela procurava. Queria uma união mais duradoura, a intimidade gerada quando dois amantes compartilhavam do sexo. Queria ouvir a famosa expressão "você me completa", que escutava em filmes mas que observava em poucos casais nos tempos presentes. Se o verdadeiro amor ainda existia, era esse que ela almejava. Não o tipo de relacionamento no qual seus pais acreditavam. Queria um homem louco por ela, que a adorasse.
Anahi suspirou e se abanou. Nesse meio tempo, sua rebelião interna alcançava proporções inacreditáveis, parecendo combustão espontânea. No ritmo em que essa fornalha interior crescia, em combinação com o calor escorchante do verão, Anahi temia chegar ao ponto de inflamabilidade.
Ela terminou de comer a banana e com relutância fechou a porta da geladeira. Em seguida olhou suas unhas do pé bem tratadas, pintadas de vermelho. Esperara que Manuel as apreciasse. Mas na noite da véspera ele nem as notara apesar das sandálias bem abertas que Anahi usara, de salto alto.
Em vez disso, prevenira-a de que cuidasse para não cair quebrando o pescoço.
Beijou-a depois no rosto.
Ela jamais se considerara uma mulher capaz de terminar um relacionamento porque o namorado não avançara um pouco, ou muito, o sinal.
Mas é que precisava tanto daquele avanço! Tinha de encontrar, de uma maneira ou de outra, um meio de fazer com que Manuel soubesse que ela estava pronta para o próximo passo, e com urgência.
Fez uma careta ao passar perto do sofá a caminho do quarto. Bem depressa, também, compraria um sofá confortável. Mas no momento precisava pegar alguns dólares de suas economias para dar aos rapazes do strip-tease.
Levantou os cabelos acima do pescoço úmido, fazendo um coque no alto da cabeça. Ansiava por ver o desfile dos seminus. Esperava que não se esquentasse tanto a ponto de Manuel não conseguir dar conta dela.

Muito quente para dormir AyA - ADP (Finalizada)Onde histórias criam vida. Descubra agora